"Não matarás" (Ex 20.13 NVI)
Introdução
A Bíblia claramente proíbe o assassinato, contudo,
algumas questões devem ser refletidas a respeito desse assunto. O que significa
não matar? O sexto mandamento é aplicável em situação de guerra? Até que ponto
é correto prolongar a vida por meios artificiais? Essas e outras questões podem
ser levantadas ao pensarmos sobre o Sexto Mandamento.
I – O Sexto mandamento no Antigo Testamento
O verbo utilizado na língua hebraica para se
referir a “matar” no sexto mandamento é rasar, essa
expressão é utilizada na Bíblia para falar de assassinato. Situações em que não
ocorre morte premeditada, ou em defesa própria, ou em guerra é utilizado outros
termos. Rasar também é utilizado para se referir a suicídio. A
tradução mais correta para Êxodo 20.13 seria: “Não assassinarás”.
II – Quais pecados e deveres estão implícitos no
sexto mandamento?
Para responder a essa pergunta sigamos o que
formula o Catecismo de Westminster:
P-136 CMW Quais são os pecados Proibidos no sexto
mandamento?
1. O tirar a nossa vida ou
a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra
legítima ou defesa necessária (At 16:27-28; Gn 9:6; Nm 35:31,33;
Dt 20:1-20; Ex 22:2);
a) A questão do suicídio
Em Atos
16.27-28 Paulo impede que o carcereiro responsável pela sua prisão cometa
suicídio. O suicídio é um dos maiores males na sociedade contemporânea. Cerca
de 800 mil pessoas por ano cometem suicídio no mundo. O suicídio é uma medida
última de desespero diante de uma situação aparentemente sem solução e que
fecha as portas a quaisquer possibilidades de saída da situação. O suicídio é
antibíblico, é um ato pecaminoso, por várias razões:
1. Embora não haja na Bíblia uma proibição
explícita do suicídio, pela revelação divina sabemos que o Senhor é o criador
da vida e nos criou à sua imagem e semelhança, logo atentar contra nossa vida é
atentar contra a imagem de Deus em nós.
2. Suicídio é pecado porque a pessoa com essa
atitude expressa falta de fé na intervenção divina. Contudo, devemos saber que
o ato suicida não separa de Deus aquele que parte salvo em Cristo (Rm 8.38, 39;
14.7-9).
3. A saída bíblica diante de pensamentos suicidas é
lembrar que devemos confessar nossos pecados ao Senhor, lançar sobre Cristo
toda nossa ansiedade e nossos problemas, crer na suprema providência divina,
saber que ele valoriza e dar valor real à vida: “[...] eu vim para que tenham
vida, e tenham plenamente” (Jo 10.10).
b) Assassinato culposo
“Se um ladrão for achado arrombando sua casa e,
sendo ferido, morrer, quem o feriu não será culpado de sangue” (Êx 22.2).
Nem
biblicamente nem diante da lei somos considerados como assassinos se porventura
em autodefesa própria ou de outrem matarmos outra pessoa. Por conta disso também
em situação de guerra o cristão está isento de pecado, desde que não esteja
cometendo alguma injustiça, algum crime de guerra ou participando de alguma
guerra injusta.
Relacionado
a isso podemos lembrar que Paulo ensina que toda autoridade procede de Deus (Rm
13.1-7).
Ademais,
o próprio Deus no Antigo Testamento ordenou ao seu povo que travassem algumas
guerras: contra Amaleque (Êx 17.8-16; 1 Sm 15.1-9), contra os filisteus (1 Sm
7.1-14), contra Jericó (Js 6.2 ss), e muitas outras. O povo de Israel nunca
entendeu esse mandamento como proibição para a guerra. Evidentemente isso não significa que a guerra
seja uma coisa boa, todo o esforço possível deve ser feito pelas nações para
evitá-la!
c) Eutanásia
Aquilo que pudermos fazer para preservar a vida de
alguém e não agirmos desse modo estaremos pecando. Contudo, podemos pensar na
complexa questão da eutanásia, para tal faço uso de partes do estudo do
Presbítero Solano Portela sobre o assunto.
Simplificadamente, definimos eutanásia como o
esforço humano no sentido de apressar a morte própria, ou a de um parente ou de
alguém que está em sofrimento. Ela é apresentada pelos defensores como
sendo uma extensão dos direitos humanos, no sentido de que cada um deveria ter
o direito a decidir sobre a própria vida.
[...]
Uma visão
errada da morte.
Os proponentes da eutanásia olham a morte como uma
“libertação” do sofrimento, mas possuem uma visão distorcida da existência,
pois não consideram:
· Que a morte é algo não natural, ou seja, é
fruto do pecado e sobrevem ao homem em função da queda (Rm. 5.12).
· Que a morte dos justificados por Deus, pelo
trabalho de Cristo Jesus, é “preciosa aos olhos do Senhor” (Sl 116.12) porque
por ela já se encontrarão com o seu criador, mas em nenhuma passagem há
aprovação para que essa morte seja apressada ou para que a vida seja terminada
arbitrariamente, essa morte ocorre no seio da providência divina.
· Que a morte dos ímpios, longe de ser
liberação de sofrimento, é o início do sofrimento eterno maior (Hb 9.27 e
10.31).
Qualquer compreensão meramente utilitária da vida e
da morte, que não leve em consideração o fator “pecado” e o trabalho de
redenção do nosso Senhor Jesus Cristo, não pode ser abraçado ou defendido pelo
crente, pois fugirá aos ensinamentos da Palavra de Deus, nossa única regra de
fé e de prática.
Alguns Pontos Essenciais a Lembrar.
No meio desse debate, vamos nos lembrar desses
seguintes pontos essenciais que nos são ensinados na Bíblia:
a. A vida é uma dádiva preciosa de Deus (Gen
1.20-25).
b. A vida humana é especialmente preciosa,
porque Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Devemos portanto preservá-la
e não tirá-la (Gen. 1.26 e 9.5-6).
c. A morte não é o fim e nem uma fuga em si ao
sofrimento, mas ela é o resultado do pecado (Rom. 6.23).
d. Muitas vezes ela ocorre com sofrimento e
dor, nos propósitos insondáveis de Deus, como tribulação e dor podem ocorrer
sem relacionamento direto com a morte (2 Cor. 4.8-10).
e. Esse sofrimento nem sempre é uma
conseqüência direta do pecado (João 9.3), mas ocorre para que Deus seja
glorificado.
f. O destemor da morte é uma característica
do servo de Deus (Fil. 1.21).
g. É verdade que servos de Deus muitas vezes
expressaram o desejo de morrer antes do tempo apontado por Deus, buscando
encontrá-lo (Fil. 1.23), mas submeteram-se à vontade de Deus em suas vidas,
sendo o exemplo maior o do nosso Senhor Jesus Cristo (Mat. 26.39).
h. O homem é limitado em sua perspectiva e não
pode definir os seus passos pelos resultados que espera (pragmatismo) pois
esses não lhe são conhecidos (Mat. 26.29).
Os padrões éticos do crente são encontrados na
Palavra de Deus e nela achamos todo o incentivo para valorizarmos a vida e nos
empenharmos em preservá-la, suportando as tribulações com paciência e
perseverança, para a Glória de Deus.
Desse modo, considerando os preceitos bíblicos é
seguro afirmar que a eutanásia encontra-se entre os pecados implícitos na
proibição do sexto mandamento. (PORTELA, Solano. Eutanásia).
d) Sentimentos maus
“Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de
roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser:
Ide, em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para
o corpo, qual é o proveito disso?” (Tg 2.15, 16).
“Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás;
e: Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele
que [sem motivo] se irá contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem
proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem
lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo” (Mt 5.22, 23).
“Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino;
ora, vós sabeis que todo assassino não tem a vida eterna permanente em si” (1
Jo 3.15).
O Novo testamento amplia o mandamento para as
questões subjetivas dos nossos sentimentos. Não matar também é não desejar mal,
não tratar outros de forma perversa, não nutrir ódio no coração, e agir para o
bem dos outros.
Considerando a gora o sexto mandamento em uma
perspectiva positiva, isto é, quanto às obrigações que dele advém pensemos nos
deveres que ele nos impõe.
P-135 Quais são os deveres exigidos no sexto
mandamento?
1. Todo empenho cuidadoso e todos os esforços
legítimos para a preservação de nossa vida e a de outros (Mt 10:23; Sl
82:4; Dt 22:8; Ef 4:26; Pv 22:24,25).
“Quando forem perseguidos num lugar, fujam para
outro [...]” (Mt 10.23 NVI).
2. Fazer justa defesa da vida contra a violência (I
Sm 26:9-11; Pv 24:11,12; I Sm 14:45).
“Davi, contudo, disse a Abisai: "Não o mate!
Quem pode levantar a mão contra o ungido do Senhor e permanecer inocente? Juro pelo nome do Senhor", disse ele, "o Senhor mesmo o
matará; ou chegará a sua hora e ele morrerá, ou ele irá para a batalha e
perecerá” (I Sm 26.9-11 NVI).
3. Paciência em suportar a mão de Deus (Tg 5:8; Hb
12:5).
“Vocês se esqueceram da palavra de ânimo que ele
dirige a vocês como a filhos:
"Meu filho, não despreze a disciplina do Senhor nem se
magoe com a sua repreensão” (Hb 12.5 NVI).
4. Espírito manso e alegre (Sl 37:8,11; Pv 17:22; I
Ts 5:16).
“Evite a ira e rejeite a fúria; não se irrite: isso
só leva ao mal” (Sl 37.8 NVI).
5. O uso sóbrio de comida, bebida, remédios, sono,
trabalho e recreios (Pv 23:29,30; I Tm 5:23; Mt 9:12; Is 38:21; Sl 127:2;
II Ts 3:10,12; Mc 6:31).
Ou seja, a Palavra nos recomenda moderação na vida
como forma de preservá-la, e desse modo estaremos cumprindo o sexto mandamento.
6. Pensamentos e sentimentos puros, comportamento e
palavras pacíficas, brandas e corteses (I Tm 4:8; I Co 13:4,5; I Sm
19:4,5; Rm 13:10; Pv 10:12; Zc 7:9; Cl 3:12).
“Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados,
de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de
longanimidade” (Cl 3.12).
7. Longanimidade e prontidão para se reconciliar,
suportando pacientemente e perdoando as injúrias (Rm 12:18; I Pe 3:8,9; I
Co 4:12,13; Cl 3:13; Tg 3:17; I Pe 2:20).
“Suportando-vos uns aos outros, perdoai-vos
mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixas contra outrem. Assim como o
Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós” (Cl 3.13).
8. Dar bem por mal, confortando e socorrendo os
conflitos, protegendo e defendendo o inocente (Rm 12:20-21; Mt
5:24; I Ts 5:14; Mt 25:35,36; Pv 31:8,9; Is 58:7).
“Pelo contrário: "Se o seu inimigo tiver fome,
dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará
brasas vivas sobre a cabeça dele".
Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem” (Rm 12. 20,21 NVI).
Conclusão
A compreensão do sexto mandamento e pô-lo em
prática são coisas desafiantes, pois alguns detalhes de sua aplicação vão de
encontro ao que socialmente está se estabelecendo, como por exemplo, a
legalização do aborto. Cabe ao cristão em meio às dificuldades que se
apresentam lembrar que sua ética tem um fundamento firme: as verdades
absolutas de Deus reveladas nas Escrituras.
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