APRESENTAÇÃO
         


          Poucas pessoas que amam e lêem a Bíblia tem conhecimento dos fatos ocorridos e da relação destes com o contexto tanto político, social e religioso da época de Jesus. Compreender tal período nos leva a entender melhor o mundo no qual Jesus e os discípulos viveram. Este singelo trabalho tem o objetivo de levar à compreensão dos fatos ocorridos no período da história denominada por nós cristãos de período interbíblico. Evidentemente esta obra não é exaustiva, porém é uma leitura relevante devido à importância do tema em questão.




INTRODUÇÃO


          O período intestamental foi uma época de constante mudança no cenário político mundial. Impérios que foram sucedidos a outros impérios, primeiro o persa, depois o grego e por fim o romano. Sempre a nação judaica esteve submissa a reinos estrangeiros neste período, com uma exceção de poucos anos quando a família dos Macabeus conseguiu a independência política. É neste período singular que vemos surgir instituições como a classe sacerdotal e a sinagoga, que na época de Jesus encontravam-se bastante solidificadas. Geralmente é costume dizer dessa época que não houve revelação divina, em consequência, embora tenha sido uma época de grande criatividade literária, nenhum desses escritos era inspirado. Contradições teológicas à parte quanto à questão da revelação de Deus no período intestamental, certo é que os livros que vieram a ser conhecidos como apócrifos e pseudepigráficos, com suas contradições e erros históricos não foram de modo algum inspirados pelo Espírito Santo.
          Ademais podemos dizer que o Senhor estava preparando as condições históricas e culturais necessárias para a encarnação de Cristo e surgimento do evangelho. A língua grega, por exemplo, que tornou-se idioma mundial, facilitou a pregação do evangelho entre as nações pelos apóstolos. Logo, conhecer o que ocorreu no período intestamental não apenas é aconselhável como essencial para uma boa compreensão do contexto do Novo Testamento.




O PERÍODO INTERBÍBLICO


          O antigo Testamento encerra-se com a promessa da vinda do Elias. Quando esta promessa é cumprida e Cristo inicia seu ministério tanto o contexto religioso quanto político em Israel é muito diferente daqueles do Antigo Testamento. Quatro séculos se passaram e não é possível compreendermos bem o contexto histórico da época de Cristo se ignorarmos o que aconteceu neste ínterim denominado de interbíblico ou intestamental. Há quatro períodos assim denominados; o período persa, o período grego ou helenístico, o período macabeu ou hasmoneu (o período da independência) e o período romano.


O PERÍODO PERSA (538-331 a.C.)

         Os assírios conquistaram o reino do norte no ano de 722 a.C. Tinham como política deportar os povos conquistados para sua terra, por isso levou Israel cativo (2 Rs 17.6). Tencionavam com isso destruir qualquer sentimento de nacionalismo dos povos que conquistavam.
          Os babilônios conquistaram os assírios em 612 a.C. Sob o governo de Nabucodonosor conquistaram Judá (reino do sul) em 605 a.C. Levaram alguns da família real e pessoas abastadas para a Babilônia, foi nesta ocasião que Daniel e seus três amigos foram deportados. Na supressão de uma revolta em 597 houve uma deportação de judeus para a Babilônia (incluindo Ezequiel). Outra deportação ocorreu quando da supressão da revolta de Zedequias em 587 a.C. quando houve a destruição do Templo e todo o povo foi deportado, com exceção da população mais pobre.
          Os babilônios concediam aos povos conquistados certa liberdade, como por exemplo, de elegerem seus líderes em suas comunidades. Alguns judeus conseguiram ascensão social, como foi o caso de Daniel (Dn 1.20; 2.48-49; 3.30).
          Longe de Jerusalém e sem ter o Templo e o Tabernáculo para cultuar, os judeus começaram a faze pequenos grupos para estudar a lei, cantar salmos e recitar orações; desse modo surgiu a sinagoga. A sinagoga serviu também como uma forma de unificação da identidade nacional do povo hebreu.
          Surge então um novo império, o persa. Ciro uniu as nações da Lídia, Média e Pérsia e conquistou a Babilônia em 538 a.C. Os persas tinham uma política diferenciada com os povos conquistados, permitia que voltassem para suas terras, desse modo os judeus puderam retornar. Este retorno deu-se em três momentos diferentes sob a liderança de três homens: Zorobabel, um príncipe da linhagem real de Davi, conduziu a primeira leva em 535 a.C. Uma segunda volta ocorreu sob Esdras, em 485 a.C. Uma terceira foi liderada por Neemias, em 445 a.C. Mas a realidade é que maioria dos judeus escolheu permanecer na Babilônia e apenas 50.000 retornaram.
          Zorobabel iniciou a construção do Templo e a despeito das oposições conseguiu concluir em 516 a.C. Porém neste novo contexto, dominado o povo como estava pelos persas, não iriam permitir a restauração da linhagem davídica, logo, o cargo de sumo-sacerdote assumiu ares políticos e portanto, foi altamente disputado, e era necessário a aprovação do governador persa para se eleger sumo-sacerdote.



O cisma samaritano

          No final do século IV ou início do século III a.C. os samaritanos separam-se da comunidade cultual de Jerusalém, estabelecendo seu local de culto no monte Gerizim em Siquém. Na realidade essa separação foi o clímax de uma antiga rivalidade tanto no setor político quanto cultural entre o norte e o sul.



O PERÍODO HELENÍSTICO (332 – 167 a. C.)

          Quando Filipe da Macedônia foi assassinado em 336 a.C. seu filho de apenas 20 anos de idade assumiu o trono, Alexandre – que venho a ser conhecido como Alexandre, o Grande. Militar brilhante e estadista muito eficiente não apenas conquistou o Egito como marchou contra o império persa derrotando o rei Dario III na batalha de Guagámela (Arbela), em 4 de outubro de 331 a.C. Alexandre construiu um império imenso e quando morreu ainda muito jovem, com apenas 32 anos de idade, no ano 323 a.C. seu reino passou para a dominação de seus generais. Esses generais fundaram quatro realezas: Ptolomeu, no Egito; Seleuco, na Síria; Antípater, na Macedônia; e Filetero, na Ásia Menor.
          Alexandre conseguiu o grande feito de unir o Ocidente com o Oriente, abriu as portas do comércio. Com a propagação do idioma grego o mundo capacitou-se para a comunicação. A cultura grega quebrou barreiras raciais, sociais e nacionais. A miscigenação das raças estimulou um espírito de cosmopolitanismo, um sincretismo religioso e um interesse no indivíduo.

A soberania dos ptolomeus (301 – 198 a. C.)

          Neste período a autonomia da vida dos judeus na Palestina e na diáspora foi respeitada. Os ptolomeus concederam-lhes o direito de praticarem livremente o culto a Javé.
          É importante ressaltar que havia um círculo judaico de tendência helênica, que se preocupava inclusive de manter boas relações com a elite soberana helênica.
          Os judeus espalhados pela diáspora, tanto na Ásia Menor como no Egito conseguiram manter sua unidade como povo judeu com o culto no templo, coleta de impostos para o mesmo e peregrinação ao santuário em dias de festas. Entretanto, podemos considerar que eles já estavam helenizados, pois já falavam a língua grega e concediam aos filhos nomes gregos.
          Devido os judeus já estar familiarizados com a língua grega, se fez necessária uma tradução do Antigo Testamento para este idioma. Surgiu então a Septuaginta, que recebe este nome devido uma lenda que diz que foi traduzida para o grego por 70 eruditos judeus em um período de 70 dias.
          Mesmo havendo os judeus que cediam facilmente ao helenismo, houve aqueles que se opôs ferrenhamente, este são os “cassidim”, que significa piedosos. Foi deles que surgiram posteriormente os fariseus e os essênios.




O conflito com os seleucidas (198 – 128 a.C.)

          Como relatam os dois livros dos Macabeus, neste período houve um conflito de grandes proporções entre os seleucidas e a comunidade cultual de Jerusalém. Havia então uma grande disputa entre os judeus, de um lado estava o partido helênico, de outro os fiéis à lei. Ambos os partidos tencionavam que o sumo-sacerdote fosse um dos seus. Antíoco IV instituiu Menelau como sumo-sacerdote, um judeu helenizado que entre outras coisas construiu um ginásio de esportes, o que foi um escândalo para os fiéis, haja vista que a prática de esporte estava associada ao culto às divindades gregas. A conseqüência disso foi que em momento oportuno os cassidim depuseram o sumo-sacerdote. Antíoco IV encarou esta atitude como uma afronta à sua autoridade. Reagiu com violência, conquistou Jerusalém destruindo suas fortalezas. Fortaleceu a colina situada a sudoeste, onde se encontrava a antiga cidade de Davi, e ordenou que apenas judeus de tendência helênica habitassem ali. Proibiu o culto a Javé como era praticando tradicionalmente. De igual modo decretou a pena de morte para quem guardasse o sábado, praticasse a circuncisão ou sacrificasse a Javé. Ordenou ainda que fossem erigidos altares a Zeus e obrigou o povo a participar do culto a esse deus.
          Essas medidas de Antíoco IV provocaram a reação dos mais zelosos do judaísmo. Um sacerdote conhecido como Matatias em dado momento matou um judeu que oferecia sacrifícios a Zeus. Iniciou-se então um movimento no qual os judeus apóstatas eram mortos pelos aliados de Matatias, eles derrubaram altares pagãos e exigiram a circuncisão de crianças. Após a morte de Matatias em 66 a.C. a liderança do movimento passou pra o seu terceiro filho, Macabeu, que significa “semelhante a um martelo”. Devido a hábil liderança de Macabeu e pelo fato de seus seguidores conhecerem muito bem o território tiveram significativas vitórias em combate.
          Importantes foram as vitórias em Emaús e Bete-Sur, depois das quais ele passou a dominar a situação na Judéia. Desse modo pôde reconstruir a vida religiosa para os judeus, providenciou novos utensílios cultuais, os sacrifícios legítimos voltaram a ser realizados. Realizou realmente uma restauração no judaísmo de sua época.


PERÍODO MACABEU OU HASMONEU (167-63 a.C.)

          Houve um momento em que Judas Macabeu necessitou de ajuda para expandir a sua luta, foi então que travou relações com os romanos, inimigos mortais dos seleucidas. Judas morreu em 160 a.C. em Elasa, seu irmão caçula, Jônatas, assumiu a liderança dos rebeldes. Mas foi apenas sob a liderança de Simão, o segundo filho de Matatias, que a Judéia foi estabelecida como uma nação independente. Simão estabeleceu sua própria família como príncipes-sacerdotes sobre Israel, era o início do domínio hasmoneano sobre Israel.
          O filho de Simão, João Hircano, com o consentimento de Roma, estendeu as fronteiras da Judéia incluindo Edom, Samaria e Galiléia. Um dos filhos de João Hircano conseguiu estender ainda mais as fronteiras da Judéia. Porém, foi um período de quase quarenta anos de lutas internas entre os hasmoneus, tendo fim apenas com a intervenção romano por meio de Pompeu, e mais uma vez os judeus voltaram depois de quase um século de governo próprio a estarem sob dominação estrangeira.




O PERÍODO ROMANO (63 a.C. – 135 d.C.)

          Os romanos tinham o controle sobre a Palestina desde a invasão de Pompeu, em 63 a.C. Intervieram nas intermináveis lutas pelo poder entre os hasmonianos indicando Herodes, filho de Antípatro, chefe de uma família iduméia, como rei dos judeus. Ficou conhecido como Herodes o Grande, e foi um hábil administrador. Construiu palácios, fortalezas e templos, iniciou a construção do monumental Templo de Jerusalém, que mesmo trinta anos depois de sua morte, período do ministério de Jesus, ainda estava em construção. Era um bom negociador, conseguiu agradar tanto a romanos quanto a judeus. Porém, pra manter-se no poder suspeitava sempre de conspirações, mandou matar várias de suas esposas e até mesmo filhos. Morreu no ano 4 a.C.
          Quando Jesus iniciou seu ministério a Judéia estava sob o governo romano direto, e o mesmo era exercido por procuradores romanos.




CONTEXTO RELIGIOSO


          O Antigo Testamento se encerra com Malaquias apontando para a vinda do profeta Elias antes do aparecimento do Dia do Senhor. A esperança messiânica assumiu anseios políticos justamente por conta da situação vivenciada neste período intestamental, no qual o povo judeu esteve sempre subjugado por outras nações.
          Após o retorno do cativeiro babilônico, os judeus não mais conviviam com crise de idolatria, em parte isso é devido ao estudo aplicado da Torah enquanto no cativeiro. Ao retornarem à Palestina, embora tenham reconstruído o Templo, a ênfase no estudo da Toráh levou-os a construção de sinagogas em praticamente todas as cidades judaicas.


Grupos religiosos

          Nesta época havia uma tensão religiosa entre o Templo e a sinagoga.  Essa tensão religiosa teve como conseqüência o surgimento de dois grupos distintos dentro do judaísmo, os fariseus e os saduceus.
          Os fariseus eram os herdeiros espirituais dos hassidim, os judeus piedosos que não aceitaram a helenização e apoiaram Matatias no século II a.C. Tinham como escrituras canônicas todo o Antigo Testamento, embora na prática colocassem a tradição oral acima das Escrituras (Jesus os repreende por isso severamente em Marcos 7). Eram formados por elementos das camadas inferiores e médias da população. Em suas doutrinas constava a predestinação, a imortalidade, a ressurreição e a vinda de um Messias libertador político. Além disso, eram contra qualquer tipo de cooperação com as potências opressoras.
          Dos saduceus por sua vez não se tem certeza de suas raízes históricas, possivelmente surgiram na segunda metade do século II a. C. quando judeus ricos competiam pelo sumo-sacerdócio, pode ser uma cargo de poder e prestígio. Seu envolvimento religioso se limitava ao Templo. Eram bem menos rígidos teologicamente que os fariseus, adotavam apenas o Pentateuco como Escritura Sagrada. Acreditavam no livre-arbítrio do homem. Negavam a imortalidade, a ressurreição e a existência de anjos e demônios.
           Os essênios eram ainda mais rigorosos que os fariseus. De natureza separatista, tinham possivelmente suas raízes históricas nos hassidim. Alguns estudiosos indentificam-nos com a comunidade de Qumran. Tinham uma forte esperança messiânica, eram deterministas, criam em anjos e demônios e tinham uma doutrina pouco desenvolvida de ressurreição individual. Praticavam o batismo, mas não como ato iniciatório.
          Embora os zelotes (zelosos) devam ser considerados mais como fenômeno sócio-político do que religioso citaremos aqui neste contexto. Era na realidade uma continuação dos macabeus, utilizavam de armas para lutarem pela libertação da opressão estrangeira. O apóstolo Pedro antes de encontrar o Messias participou deste movimento.




PRODUÇÃO LITERÁRIA


          O período testamental foi uma época de grande produção literária. Embora se entenda que nesta época não houve inspiração para serem inscritos livros sacros, muitos livros escritos podem ser úteis como fonte histórica da vida e da crença do povo judeu nesta época.
          Alguns livros dessa época hoje recebem a nominação de apócrifos (escondidos, ocultos). São considerados canônicos pela igreja Católica Romana, embora nunca tenham sido pelos judeus, nem pela igreja na época apostólica e pós-apostólica. Há também os pseudepigráficos, que embora nunca tenham sido colocados em alguma lista de livros canônicos, refletem preocupações teológicas ou narram lendas.
        Nem todos os livros considerados desse período foram concluídos nesta época, e alguns receberam posteriormente retoques cristãos.
         Nesta época de literaturas de história temos: I e II Macabeus, que trata da história da família dos macabeus na luta contra a dominação estrangeira. I Esdras, escrito de 200 a 150 a.C., às vezes é chamado de III Esdras.
          Dentre as obras de ficção, que eram na realidade propaganda judaica para trazer lições éticas, patrióticas e religiosas, temos: Tobias, que foi escrito no início do segundo século antes de Cristo com o intuito de trazer lições de piedade e ética. O autor escreve aventuras sobre os judeus no exílio como sendo um deles. Judite, do início do século II a.C. Epístola de Jeremias (Jeremias) — Teve como finalidade expor a insensatez da idolatria durante a época da helenização dos judeus, tendo sido escrita por volta da mesma época de Tobias (225-175 a.C.). III Macabeus, considerado pseudepigráfico, foi escrito por um judeu de Alexandria no I século a.C. Carta de Aristeas, da mesma época que III Macabeus, foi escrita por um gentio e reflete a filosofia judaico - alexandrina.
          A chamada literatura gnômica (de sabedoria) dos judeus foi fortemente influenciada nesta época pela filosofia grega da sabedoria devido à helenização. Deste tipo de literatura temos: Sabedoria de Salomão (séc. I a.C.), Eclesiástico ou A Sabedoria de Jesus, o Filho de Siraque, de 190 a 170 a.C., Testamento dos Doze Patriarcas, Salmos de Salomão, Livro dos Jubileus, Oráculos Sibilinos, reminiscências fragmentárias de ditos supostamente divinos, através de médiuns chamados sibilos. IV Macabeus, Oração de Manassés, Oração de Moisés, adições ao livro de Daniel, adições ao livro de Ester.
          De literatura apocalíptica nós podemos citar Etíope Enoque, Testamento dos Doze Patriarcas, “Rolo de Guerra” (este da comunidade de Qumran), O Livro dos Segredos de Enoque, O Segundo Livro de Baruque, IV Esdras e O Livro de Adão e Eva.





CONCLUSÃO



          Como pudemos perceber o período intestamental foi de grande relevância não apenas para a história dos judeus, como para toda a história da humanidade. Não há como compreender toda a história sem entender a importância do império helênico e como ele conquistou o mundo, primeiro militarmente e politicamente, depois culturalmente. De igual modo não podemos afirmar que conhecemos bem o contexto de Jesus se não atentarmos para todo o processo histórico que levou ás condições de vida na época de Cristo na região da Palestina.





BIBLIOGRAFIA



PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso – Foco e desenvolvimento no Antigo Testamento, São Paulo, Hagnos, 2006.


METZGER, Martim – História de Israel, Editora Sinodal, 2ª edição, 1978.


DAVIS, John D. – Dicionário da Bíblia.  Rio de Janeiro – RJ, editoras Candeia e JUERP, 20ª edição, 1996.


HALE, Broadus David - Introdução ao estudo do Novo Testamento. Tradução de Cláudio Vital de Souza. Rio de Janeiro, Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1983.

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