Introdução
Muito
possivelmente esse é um dos textos mais desafiadores de toda a Bíblia. Jesus
apresenta uma ética superior, uma forma de ser e agir totalmente em oposição
àquilo que é comum para aqueles que não têm Deus em suas vidas. O texto se
torna tão constrangedor que para muitas pessoas parece ultrapassado. Mas entendamos
o que Jesus estava ensinando com essas palavras.
I – Viver uma justiça superior implica uma recusa à
vingança, v.38-42.
A
citação que é Feita da Lei aqui parece algo estranho a nós que conhecemos um
pouco mais da graça de Deus que os israelitas. Entretanto, há de se entender o
contexto. Em Êxodo capítulos 21 a 23 há alguns regramentos que fazem parte da
Lei mosaica enquanto código civil. É a lei aplicada ao viver cotidiano. E ao
contrário do que possa parecer não se encontra em Êx 21:22-25 um incentivo à vingança,
mas meios pelos quais a vingança pudesse
ser refreada, pois se trata na verdade de instruções aos juízes (Dt 19.17,
18), estes deveriam aplicar essa justiça rígida para evitar que os ofendido ou
a família dele tentasse tomar a justiça em suas próprias mãos, por isso a lei
estabelece compensações que hoje podemos considerar como bastante rígidas. A ideia
então era dupla: estabelecer a justiça e frear a vingança.
O
que ocorre é que infelizmente os fariseus e escribas estavam utilizando esse
princípio de justiça social para o âmbito do privado, usavam-no como uma
desculpa para vingança. Contrapondo a isso Jesus diz que a nossa atitude diante
do perverso é de não resistirmos a ele.
Jesus,
portanto, está ensinando aos discípulos que antes que cometer alguma injustiça é preferível sofrê-la. Esse é o
sentido de dar a outra face. Não se trata de abdicar da justiça, mas de saber
sofrer a injustiça sem que seja tomado pelo sentimento de vingança. Em outras palavras
Jesus está a dizer que nossos relacionamentos pessoais devem ser baseados
não na justiça, mas no amor. Por isso que Paulo vai dizer em Romanos 12.21:
“Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem”.
Observe
que Jesus não está nos pedindo que não vejamos as pessoas como realmente são.
Fala das pessoas perversas como sendo de fato desse modo. Então ele utiliza quatro pequenas ilustrações
para clarear o que está afirmando. Talvez a que fique menos compreensível a nós
seja a terceira: “se alguém forçar a caminhar com ele duas milhas...” O
verbo grego traduzido por forçar tem origem persa e o historiador Josefo usou
no sentido de "transporte compulsório da bagagem militar". Para o contexto atual seria qualquer
forma de serviço ao qual fôssemos recrutados e não voluntários. Mas nas
quatro ilustrações o ensino é o mesmo: abster-nos tão completamente da vingança
que até permitamos à pessoa "perversa" dobrar a injúria.
Bonhoeffer
intitulou de "comunhão da cruz", uma participação visível da cruz. Foi assim que Pedro o expressou: "Cristo sofreu em vosso lugar,
deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos... pois ele, quando
ultrajado, não revidava com ultraje, quando maltratado não fazia ameaças, mas
entregava-se àquele que julga retamente." (lPe2:21-23). No dizer
impressionante de Spurgeon, nós "temos de ser como a bigorna quando homens
perversos são martelos" (STOTT, 1981).
Perceba
que não se trata de um literalismo, mas de ilustrações para clarear um
princípio. Esse principio é o amor altruísta a tal ponto que mesmo que a pessoa
esteja sofrendo por conta de injustiças recusa-se a vingança, mas paga o mal
com o bem.
II – Viver uma justiça superior implica o amor ativo,
v.43-48.
Então
Jesus começa a mostrar que a expressão de amor cristão não é apenas deixar de
fazer algo, ou seja, deixar de vingar-se, mas tem uma expressão positiva.
A
tradição dos fariseus ensinava que deveriam amar ao próximo, mas odiar o inimigo.
Na Lei estava escrito para amar o próximo (Lv 19.18), e eles acrescentaram a
conclusão de odiar ao inimigo, não há nenhuma ordem explícita na Lei nesse
sentido. O máximo que se pode chegar nesse ponto é retomando os salmos
imprecatórios, nos quais o salmista muitas vezes pedia a Deus a destruição dos
inimigos. Mas mesmo nesses textos podemos ver não apenas um foco na revolta do
salmista contra seus inimigos pessoais, encontra-se também neles a revolta contra os inimigos de Deus. Veja
o exemplo de Davi no Salmo 69: “7: “Porque por amor de ti tenho suportado
afrontas; a confusão cobriu o meu rosto.” Verso 9: “Pois o zelo da tua
casa me devorou, e as afrontas dos que te afrontam caíram sobre mim”. Por
essa perspectiva, quanto àqueles que são inimigos do SENHOR, blasfemam de Seu
santo nome não é errado clamar pela justiça divina nesses casos. Os santos no
Céu diante da perseguição à igreja clamam pela justiça divina (Ap 6.9-11).
Quanto
àqueles que possam vir a ser inimigos pessoais Jesus passa a demonstrar a forma
positiva da atitude correta para com os inimigos.
Amar e orar por eles (v.44). Jesus fala dos inimigos de um modo bem comum, ou seja,
como algo que certamente irá acontecer. Por mais que tentemos cumprir nosso
dever de estar em paz com as pessoas, sempre haverá circunstâncias nas quais as
pessoas estarão se fazendo nossas inimigas. Jesus não diz para fazermos de conta
que estamos amando, mas amarmos verdadeiramente, e isso se manifesta
inicialmente orando por tais pessoas. "Amá-los" é desejar
ardentemente que se arrependam e creiam para serem salvos. Devemos então orar
para que isso aconteça.
Tendo mostrado que o nosso amor pelos
nossos inimigos expressar-se-á em atos, palavras e orações, Jesus prossegue
declarando que só então provaremos conclusivamente de quem somos filhos, pois
só então estaremos exibindo um amor como o amor de nosso Pai celestial. Porque
ele faz nascer o seu sol [...] sobre maus e bons, e vir chuvas sobre
justos e injustos (v. 45). O amor divino é amor indiscriminado, para com os
bons e maus indistintamente (STOTT, 1981).
Por fim ele demonstra que nada há de extraordinário no amor para com aqueles que nos amam, usa o exemplo para ilustrar dos publicanos, cobradores de impostos, considerados traidores na nação, e o exemplo dos gentios. Tanto uns quanto outros agem desse modo. A exigência do padrão divino é mais elevada. O nosso amor deve imitar o do SENHOR, deve ser expressado em graça, deve ser incondicional.
Conclusão
Por
mais difícil que possa parecer por em prática essas verdades o Espírito Santo
nos capacita para tal. É nisso que mais essencialmente podemos ser diferentes daqueles
que não estão em Cristo, temos a natureza de Cristo, vivemos no Reino de Deus,
então não podemos nos acomodar com menos do que viver a prática do verdadeiro
amor cristão.
STOTT, John R. W. Contracultura Cristã: A mensagem do Sermão do Monte. ABU Editora S/C, São Paulo, SP, 1981.
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