Mateus 6.1-4

 



"Tenham o cuidado de não praticar suas ‘obras de justiça’ diante dos outros para serem vistos por eles. Se fizerem isso, vocês não terão nenhuma recompensa do Pai celestial.

"Portanto, quando você der esmola, não anuncie isso com trombetas, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem honrados pelos outros. Eu lhes garanto que eles já receberam sua plena recompensa.

Mas quando você der esmola, que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a direita,

de forma que você preste a sua ajuda em segredo. E seu Pai, que vê o que é feito em segredo, o recompensará". (Mt 6.1-4).

 

 

Introdução

 

Jesus começa agora a falar sobre obras de justiça, antes ele usou uma expressão traduzida por justiça em 5.6 e 20 relacionada a bondade, pureza, honestidade e amor. O foco agora é algo mais prático, ele começa a falar sobre deveres de piedade: esmolas, oração, jejum; ou como alguns talvez prefiram, deveres religiosos.

 

 

I – A obra piedosa que agrada a Deus, v. 1-3.

"Tenham o cuidado de não praticar suas ‘obras de justiça’ diante dos outros para serem vistos por eles. Se fizerem isso, vocês não terão nenhuma recompensa do Pai celestial.

"Portanto, quando você der esmola, não anuncie isso com trombetas, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem honrados pelos outros. Eu lhes garanto que eles já receberam sua plena recompensa.

Mas quando você der esmola, que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a direita (Mt 6.1-3 NVI).

 

Jesus está a falar sobre as “obras de justiça”. A esmola é uma delas, a oração é outra, bem como o jejum. Aqui Jesus utiliza uma expressão interessante: “eleemosyne = esmola”, é tradução literal da expressão hebraica asah zedakah = fazer justiça (cf. Strack/ Billerbeck, v. I, p. 388; v. IV.l, p. 536).

O texto nos apresenta duas formas de prática da justiça, traduzido aqui por esmola. Vejamos primeiramente a forma inadequada.

A forma pública, feita na frente das pessoas. Jesus diz que havia uma prática de esmola realizada na Sinagoga e nas ruas. Essa era uma prática comum, o valor a ser entregue à pessoa necessitada era anunciada publicamente nas reuniões nas sinagogas aos sábados, ou então na rua nas ocasiões dos cultos de jejum. Quem assim agia estava em eminência diante dos fariseus. O comentarista luterano Uwe Wegner afirma que os rabinos reclamavam que muitas pessoas, pelo desejo de serem enaltecidas, por vaidade faziam promessas públicas de doar elevada soma de dinheiro, mas que não cumpriam. E que uma alternativa para se evitar isso era a doação sem secreto, podendo ser a uma caixa comunitária ou ao Templo de Jerusalém em um local específico para essa finalidade; desse modo quem doava não tinha contato com quem recebia a doação (WEGNER, 1989).

Era algo feito com a finalidade de angariar algo junto aos espectadores. “E "hipocrisia" é a palavra que Jesus usou para caracterizar essa exibição. No grego clássico, hupokrités era, primeiro, um orador e, então, um ator” (STOTT, 1981). Tem-se em mente a representação do atores teatrais das peças gregas com essa expressão. Jesus aplica esse termo a quem agia desse modo. Não devem os discípulos viverem alheios à sua identidade real de discípulos, representarem o que não são, promoverem a si mesmos. Não devem ser hipócritas.

Curioso como Jesus em um momento afirma "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam . . ."  (5.16) e aqui diz para guardar de fazer algo diante das pessoas. A grande diferença está na intenção.

Os hipócritas a quem Jesus aqui critica não têm compaixão pelos necessitados, não são movidos pelo amor. Eles agiam de modo a serem vistos. Mas aqui temos de estar alerta a uma armadilha, conquanto alguém necessariamente “não esteja tocando trombetas” não significa que também esteja praticando as obras de justiça de modo correto, pois a vaidade a dominar o coração também pode não estar se expressando publicamente. Os outros podem não estar percebendo, mas a pessoa pode estar agindo meramente por orgulho pessoal por aquilo que se faz. Se alguém em nossos dias age desse modo, e há muitos que o fazem, não estão atentos à verdade revelada pelo senhor que “{...} aquilo que tem muito valor entre os homens é detestável aos olhos de Deus” (Lc 16.15).

Então, entendamos a prática correta das obras de piedade ou justiça. Na expressão do versículo 3 “que sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a direita” Jesus traz a ideia de que não há o sentimento de exaltação que se externalisa, porque não há intenção dúbia. A pessoa está movida pelo amor a quem está em situação precária. Lembremos da ênfase do apóstolo Paulo: “E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres. . . se não tiver amor, nada disso me aproveitará” (l Co 13.3).

Combatendo a frieza dos fariseus, em Mt 9.13 quando perguntam aos discípulos porque Jesus comia com publicanos e pecadores, o senhor cita Os 6.6: “Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício!” Desse modo, podemos usar isto como princípio para a prática de ajudar pessoas. O sentido é de compaixão, ser tocado sentimentalmente pela necessidade do outro. A obra de caridade ou ajuda é válida diante de Deus quando a compaixão é que é a base da motivação.

 

 

II – A RECOMPENSA DO SENHOR, V.4.

“de forma que você preste a sua ajuda em segredo. E seu Pai, que vê o que é feito em segredo, o recompensará" (Mt 6.4 NVI).

 

Esse versículo sobre a recompensa deixa algumas pessoas divididas. Que tipo de recompensa devemos esperar? Deveríamos de fato esperar alguma recompensa? Qual a recompensa mais apropriada?

Vejamos! Inegavelmente a Palavra de Deus nos fala sobre recompensa do SENHOR em nossas vidas. Temos Mc 9.41; 10.29, nas bem-aventuranças também Mt 5.3-12, e outros textos.

O Senhor Jesus afirma que pelas obras que praticamos seremos recompensados, pois elas testificam que de fato somos cidadãos do Reino (Mt 25.34-36).

Em Lc 17.10 Jesus nos diz muito claramente que quando fazemos o que deveríamos fazer devemos nos ver apenas como servos inúteis. Em outras palavras não há dívida da parte do SENHOR para conosco. A recompensa é uma expressão da bondade paterna, isso é enfatizando com o termo “Pai” duas vezes no texto (v. 1 e 4).

Então, Jesus ao mencionar a recompensa, a partir do texto percebemos que não é o reconhecimento das pessoas, os aplausos, pois isso é a recompensa daqueles que praticam obras com esse intuito. A recompensa expressa o agrado do Senhor pelo que fazemos e pelo modo como o fazemos. Mas qual é a essência dessa recompensa? Evidente que há a recompensa na eternidade. Mas pensemos também em um tipo de recompensa que o Senhor nos concede ainda no presente.

C. S. Lewis escreveu sabiamente em um ensaio intitulado "O Esplendor da Glória" (The Weight of Glory) o seguinte: "Não devemos ficar perturbados com os incrédulos que dizem que esta promessa de recompensa torna a vida cristã um negócio mercenário. Há diferentes tipos de recompensa. [...] O dinheiro não é a recompensa natural do amor; é por isso que dizemos que um homem é mer­cenário quando se casa com uma mulher por causa do dinheiro dela. Mas o casamento é a recompensa apropriada para quem realmente ama, e este não é mercenário quando o deseja." Do mesmo modo, poderíamos dizer que uma taça de prata não é uma recompensa muito apropriada para um escolar que estu­dou muito, mas uma bolsa para a universidade seria o ideal. C. S. Lewis assim conclui este argumento: "As devidas recom­pensas não são simplesmente adicionadas à atividade pela qual foram concedidas, mas são a própria atividade em consu­mação."[1]

Qual é, então, a "recompensa" que o Pai celeste dá àquele que faz a sua dádiva em secreto? Não é pública nem, necessa­riamente, futura. Provavelmente a única recompensa que o ver­dadeiro amor deseja quando dá ao necessitado é ver o alívio deste. Quando, por meio de suas dádivas, o faminto é alimen­tado, o nu é vestido, o doente é curado, o oprimido é libertado e o perdido é salvo, o amor que provocou a dádiva fica satis­feito. Esse amor (que é o próprio amor de Deus expresso através do homem) traz consigo as suas próprias alegrias secretas e não espera outra recompensa. (LEWIS, C. S, apud STOTT, 1981, grifo nosso).

 

Lembremos da afirmação em Atos 20.35 atribuída ao Senhor Jesus: "Mais bem-aventurado é dar que receber."

 

 

Conclusão

 

Eu gostaria de fazer um a conclusão ressaltando algumas questões sob uma leitura mais contemporânea de como podemos aplicar essa prática da obra de justiça em consideração aos menos favorecidos economicamente.

 

1. Faz-se urgente em nossos dias uma mudança de mentalidade, conquanto na espiritualidade individual certamente não faltarão muitas oportunidades de agir de modo benéfico para com quem esteja em alguma situação de dificuldade financeira, é preciso enxergar mais além. Com isso quero dizer mudar uma mentalidade assistencialista e paternalista para uma mentalidade de justiça social. Logo, melhor do que dar algo é fazer justiça, ou seja, a defesa por melhores condições de vida por meio de educação, emprego, ressocialização, resgate da dignidade humana, etc. E isso se concretiza por meio de políticas públicas. O que nos cabe enquanto cristãos presente nesta sociedade: exigir das autoridades constituídas, estar conscientes dos nossos direitos, apoiar aqueles que são violados em seus direitos.

 

2. A imagem que vendemos de nós corresponde àquilo que Deus ver em secreto? Essa pergunta pode ser feita tanto no que diz respeito a igreja enquanto instituição quanto a nós individualmente. Em outras palavras, as pessoas que são menos favorecidas podem se encontrar acolhidas em nossa igreja, vendemos a imagem de que isso acontece? Isso de fato acontece?

E como pessoas transmitimos aos outros que somos sensíveis à necessidade alheia? E de fato agimos desse modo?

 

 

 

Referências

 

STOTT, John R. W. Contracultura Cristã: A mensagem do Sermão do Monte. ABU Editora S/C, São Paulo, SP, 1981.

STRACK, H. L. & BILLERBECK, P. Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch. 7. ed. München, 1978, v. 1,2 e 4/1.

WEGNER, Uwe. Mateus 6.1-4: Auxílio Homilético. Disponível em: <https://www.luteranos.com.br/textos/mateus-6-1-4>. Acesso em: 13 set 2022.



 

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