Mateus 20.1-16 - A LÓGICA DO MÉRITO E A ILÓGICA DA GRAÇA

 



Introdução

 

Ao considerar as relações de trabalho sob uma perspectiva da meritocracia pode ser dito que o justo é pagar mais a quem mais trabalha, menos a quem menos trabalho fez. A meritocracia, portanto valorizará o esforço. Isso é algo bastante lógico e justo. Por isso, a partir dessa lógica é algo estranho vermos uma parábola na qual as pessoas que trabalharam pouco ganharam igual àqueles que trabalharam o dia todo.

 

Elucidação

 

Jesus acabara de ter aquele famoso diálogo com o tal “jovem rico”, e diz a ele categoricamente o que deve fazer: abandonar o seu ídolo (dinheiro) e seguir a Cristo (19.21). Curiosamente ele utiliza as mesmas palavras com as quais finaliza a parábola dos trabalhadores na vinha (19.30; 20.16).

Muitos intérpretes olham para essa parábola sob duas perspectivas: primeira, na comunidade de fé há uma igualdade diante de Deus de tal modo que a lógica humana é subvertida e ninguém é privilegiado por ter adentrado primeiro a essa comunidade; e segunda, que é a interpretação do texto, Jesus está ensinando aos judeus que os gentios não são diferentes diante de Deus e que embora historicamente a mensagem da salvação chegue por último a eles serão os primeiros no Reino. Tanto uma quanto outra perspectiva considera que a graça de Deus não se enquadra em nossos sistemas de méritos.

 

I – Os elementos da parábola.

 

V.1 e 2. Às vezes havia necessidade de contratar trabalhadores extras para a colheita das uvas antes que as chuvas as estragasse, portanto, havia pressa nessa colheita. Um Denário era o equivalente a um dia de trabalho do trabalhador romano. Era o valor mínimo a ser pago pelo trabalho no campo, e portanto, um valor justo.

V. 3 a 7. Os desocupados na praça eram trabalhadores que esperavam uma oportunidade de trabalho, possivelmente esses não tinham emprego fixo, por isso ficavam na praça a espera que alguém os contratasse. Eram, portanto, pessoas sob grande necessidade. Perceba que aos primeiros foi combinada a quantia, mas a esses o proprietário apenas diz que pagará o que é justo, como ele trabalharia menos poderia ser que optasse também por pagar menos a esses.

V. 8-13. As surpresas. Como vemos, no momento do pagamento há uma insatisfação por parte daqueles que trabalharam mais, embora recebendo aquilo que fora combinado. Nessa atitude como fica claro há falta de reconhecimento do direito do proprietário que como ele diz pode dar como quiser aquilo que é seu, ele apenas decidiu ser generoso para com aquele que trabalharam menos, agiu com graça.

O ponto central da parábola está no v. 16, como veremos.

 

II – O ensino da parábola.

 

O cerne dessa parábola está no último versículo, é ele que traz o sentido da parábola, o que Cristo de fato estava ensinando.

Os primeiros são os judeus, estes receberam a promessa messiânica, os oráculos divinos, a intervenção do Senhor na sua história, a Aliança para ser povo de Deus, entretanto quando se cumpriu a promessa da vinda do Messias não creram em Cristo. Assim, os últimos, que são os gentios, a eles foi anunciado o evangelho, foram alcançados pela graça divina e muitos deles creram no Senhor.

Alguns judeus poderiam não achar isso justo, e de fato, tanto os discípulos mais tarde quanto a igreja em Jerusalém tiveram que lutar contra o pensamento preconceituoso que tinham para que pudessem anunciar o evangelho aos gentios. Havia final uma herança cultural de desprezo para com os gentios, considerados idólatras, impuros; mas agora podiam ter acesso ao Reino de Deus do mesmo modo que os judeus, por meio da fé em Cristo Jesus. Para Deus não há favoritismo, não há acepção de pessoas.

 “porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos” (v. 16 ARA). Esta frase está presente em algumas traduções e tem o sentido de o chamado como proclamação do evangelho que é feito de forma indiscriminada, muitos têm o privilégio de ouvir o evangelho. Entretanto, poucos são os escolhidos, os eleitos de Deus, e a esses o Senhor lhes dará graça para entender e recepcionar o evangelho em seus corações.

Quando falamos de chamado também lembramos da doutrina do ‘chamado eficaz’, ou seja, quando Deus chama os seus eleitos eles atendem, seu chamado é soberano, é irresistível. Os escolhidos, que são poucos, sempre o atendem.

 

III – O ensino prático para nós.

 

a) Estávamos todos na mesma condição, mas o proprietário foi ao nosso encontro.

Na parábola não é difícil de concluirmos que o empregado precisava muito mais de um empregador do que este daqueles.  Era exatamente essa a nossa condição, de total necessidade que o Senhor viesse ao nosso encontro e nos tirasse da condição de miséria espiritual. Estávamos mortos em nossos delitos e pecados: “Vocês estavam mortos e suas transgressões e pecados” (Ef 2.1); mas aprouve graciosamente ao SENHOR utilizar da ilógica da graça para nos salvar, nenhum trabalho poderíamos fazer para alcançar salvação, mas ele veio a nós: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8-9).

b) Devemos vigiar o nosso coração contra a inveja.

Que pergunta retórica interessante que o dono da vinha faz a um daqueles primeiros trabalhadores: “Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom?” (ARA); “Ou você está com inveja porque eu sou generoso?” (NVI). É o mesmo sentido, uma indagação acerca da inveja de quem olhava para os outros que receberam igual a ele sem consideração que o pagamento destes últimos era mera bondade do dono da vinha.

Em outras palavras se não estamos recebendo do SENHOR tanto quanto outros não há injustiça dele para conosco, mas graciosa expressão de bondade para com esses outros. Se apenas olharmos para bênçãos divinas concedidas pelo Senhor a outros sem nos alegrarmos por estarem sendo abençoados e nos esquecermos de olhar a bondade do SENHOR poderemos está sendo levados pela inveja.

c) Devemos aceitar humildemente o que Deus tem para nós.

Aqui devemos lembrar daquela velha máxima de que Deus não deve nada para homem algum, se o salva é por graça, se o abençoa enquanto salvo é por graça, tudo que o recebemos d’Ele ainda que estejamos vivendo em fidelidade é por graça, a obediência não nos torna merecedores. Aquilo que lhe pertence ele dá a quem Ele quer dar, como quer dar e no tempo que quiser dar. A percepção do direito divino e do nosso demérito leva-nos a sermos mais gratos ao SENHOR!

 

Conclusão

 

É comum olharmos sob a perspectiva da lógica do mérito. O que a pessoa fez para ser quem é, para chegar aonde chegou, para ter o que tem. No Reino de Deus nosso entendimento tem que ser a partir da ilógica da graça. Nosso merecimento é a condenação eterna, mas estamos aqui pela graça do Senhor, tudo o que somos ou temos, pela graça do Senhor.

 

 

 

 

 


 

 

 

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