Introdução
Ao
considerar as relações de trabalho sob uma perspectiva da meritocracia pode ser
dito que o justo é pagar mais a quem mais trabalha, menos a quem menos trabalho
fez. A meritocracia, portanto valorizará o esforço. Isso é algo bastante lógico
e justo. Por isso, a partir dessa lógica é algo estranho vermos uma parábola na
qual as pessoas que trabalharam pouco ganharam igual àqueles que trabalharam o
dia todo.
Elucidação
Jesus
acabara de ter aquele famoso diálogo com o tal “jovem rico”, e diz a ele
categoricamente o que deve fazer: abandonar o seu ídolo (dinheiro) e seguir a
Cristo (19.21). Curiosamente ele utiliza as mesmas palavras com as quais
finaliza a parábola dos trabalhadores na vinha (19.30; 20.16).
Muitos intérpretes olham para essa parábola sob duas perspectivas: primeira, na comunidade de fé há uma igualdade diante de Deus de tal modo que a lógica humana é subvertida e ninguém é privilegiado por ter adentrado primeiro a essa comunidade; e segunda, que é a interpretação do texto, Jesus está ensinando aos judeus que os gentios não são diferentes diante de Deus e que embora historicamente a mensagem da salvação chegue por último a eles serão os primeiros no Reino. Tanto uma quanto outra perspectiva considera que a graça de Deus não se enquadra em nossos sistemas de méritos.
I – Os elementos da parábola.
V.1
e 2. Às vezes havia necessidade de contratar trabalhadores extras para a colheita
das uvas antes que as chuvas as estragasse, portanto, havia pressa nessa colheita.
Um Denário era o equivalente a um
dia de trabalho do trabalhador romano. Era o valor mínimo a ser pago pelo
trabalho no campo, e portanto, um valor justo.
V.
3 a 7. Os desocupados na praça eram
trabalhadores que esperavam uma oportunidade de trabalho, possivelmente esses
não tinham emprego fixo, por isso ficavam na praça a espera que alguém os
contratasse. Eram, portanto, pessoas sob grande necessidade. Perceba que aos
primeiros foi combinada a quantia, mas a esses o proprietário apenas diz que
pagará o que é justo, como ele trabalharia menos poderia ser que optasse também
por pagar menos a esses.
V.
8-13. As surpresas. Como vemos, no
momento do pagamento há uma insatisfação por parte daqueles que trabalharam
mais, embora recebendo aquilo que fora combinado. Nessa atitude como fica claro
há falta de reconhecimento do direito do proprietário que como ele diz pode dar
como quiser aquilo que é seu, ele apenas
decidiu ser generoso para com aquele que trabalharam menos, agiu com graça.
O
ponto central da parábola está no v. 16, como veremos.
II – O ensino da parábola.
O
cerne dessa parábola está no último versículo, é ele que traz o sentido da
parábola, o que Cristo de fato estava ensinando.
Os
primeiros são os judeus, estes receberam a
promessa messiânica, os oráculos divinos, a intervenção do Senhor na sua
história, a Aliança para ser povo de Deus, entretanto quando se cumpriu a
promessa da vinda do Messias não creram em Cristo. Assim, os últimos, que
são os gentios, a eles foi anunciado o evangelho, foram alcançados pela
graça divina e muitos deles creram no Senhor.
Alguns
judeus poderiam não achar isso justo, e de fato, tanto os discípulos mais tarde
quanto a igreja em Jerusalém tiveram que lutar contra o pensamento
preconceituoso que tinham para que pudessem anunciar o evangelho aos gentios.
Havia final uma herança cultural de desprezo para com os gentios, considerados
idólatras, impuros; mas agora podiam ter acesso ao Reino de Deus do mesmo modo que
os judeus, por meio da fé em Cristo Jesus. Para
Deus não há favoritismo, não há acepção de pessoas.
“porque muitos são chamados, mas poucos
escolhidos” (v. 16 ARA). Esta frase está presente em algumas traduções e
tem o sentido de o chamado como
proclamação do evangelho que é feito de forma indiscriminada, muitos têm o
privilégio de ouvir o evangelho. Entretanto, poucos são os escolhidos, os
eleitos de Deus, e a esses o Senhor lhes dará graça para entender e recepcionar
o evangelho em seus corações.
Quando falamos de chamado também
lembramos da doutrina do ‘chamado eficaz’,
ou seja, quando Deus chama os seus eleitos eles atendem, seu chamado é
soberano, é irresistível. Os escolhidos, que são poucos, sempre o atendem.
III – O ensino prático para nós.
a) Estávamos todos na
mesma condição, mas o proprietário foi ao nosso encontro.
Na
parábola não é difícil de concluirmos que o empregado precisava muito mais de
um empregador do que este daqueles. Era
exatamente essa a nossa condição, de total necessidade que o Senhor viesse ao
nosso encontro e nos tirasse da condição de miséria espiritual. Estávamos
mortos em nossos delitos e pecados: “Vocês estavam mortos e suas
transgressões e pecados” (Ef 2.1); mas aprouve graciosamente ao SENHOR
utilizar da ilógica da graça para nos salvar, nenhum trabalho poderíamos fazer
para alcançar salvação, mas ele veio a nós: “Pois vocês são salvos pela
graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras,
para que ninguém se glorie” (Ef 2.8-9).
b) Devemos vigiar o
nosso coração contra a inveja.
Que
pergunta retórica interessante que o dono da vinha faz a um daqueles primeiros
trabalhadores: “Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom?” (ARA); “Ou
você está com inveja porque eu sou generoso?” (NVI). É o mesmo sentido, uma
indagação acerca da inveja de quem olhava para os outros que receberam igual a
ele sem consideração que o pagamento destes últimos era mera bondade do dono da
vinha.
Em
outras palavras se não estamos recebendo do SENHOR tanto quanto outros não
há injustiça dele para conosco, mas graciosa expressão de bondade para com esses
outros. Se apenas olharmos para bênçãos divinas concedidas pelo Senhor a
outros sem nos alegrarmos por estarem sendo abençoados e nos esquecermos de
olhar a bondade do SENHOR poderemos está sendo levados pela inveja.
c) Devemos
aceitar humildemente o que Deus tem para nós.
Aqui devemos lembrar daquela velha máxima de que Deus não
deve nada para homem algum, se o salva é por graça, se o abençoa enquanto
salvo é por graça, tudo que o recebemos d’Ele ainda que estejamos vivendo
em fidelidade é por graça, a obediência não nos torna merecedores. Aquilo que
lhe pertence ele dá a quem Ele quer dar, como quer dar e no tempo que quiser
dar. A percepção do direito divino e do nosso demérito leva-nos a sermos mais
gratos ao SENHOR!
Conclusão
É comum olharmos sob a perspectiva da lógica do mérito. O que
a pessoa fez para ser quem é, para chegar aonde chegou, para ter o que tem. No
Reino de Deus nosso entendimento tem que ser a partir da ilógica da graça.
Nosso merecimento é a condenação eterna, mas estamos aqui pela graça do Senhor,
tudo o que somos ou temos, pela graça do Senhor.
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