Escatologia (parte 1) – A Morte Física


"Porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro" (Fl 1.21)

Introdução

1. O que é escatologia?

Três perguntas são salientes para o sentido de existência da humanidade: Quem somos nós? De onde viemos? Para onde estamos indo? Em qualquer época e cultura de alguma forma a humanidade busca responder essas perguntas. Interessa-nos no momento a resposta sobre o destino final da humanidade.
Os filósofos buscaram trabalhar essa questão. Os gregos – filósofos estóicos – ensinaram sobre sucessivos ciclos de mundo, ou seja, o mundo acaba, é refeito, acaba novamente... sucessivamente, assim para eles a história é um ciclo.
Nas religiões não cristãs, encontramos o budismo ensinando sobre o nirvana, o islamismo fala sobre um paraíso bem num aspecto sensual. E em todas as religiões há alguma expressão de destino final.
Para o cristão sua conclusão não vem de suas ideias pessoais, mas exclusivamente da Palavra de Deus.
A Palavra “escatologia” significa doutrina das últimas coisas. Baseia-se em textos bíblicos como Is 2.2 e Mq 2.1 que falam dos “últimos dias” (eschatai homeai), 1 Pe 1.20 – “últimos tempos” (eschaton ton cronon) e 1 Jo 2.18 – “última hora” (eschate hora).

2. Nem “escatomania” nem “escatofobia”.

Sem dúvida as doutrinas escatológicas são muito importantes. Não devem ser menosprezadas, porém também não devem ser supervalorizadas ao ponto de considerar como sendo as doutrinas fundamentais da fé e não mais se falar de outro assunto. Um exemplo de escatomania citado por Erickson (1997) é o pastor que pregou durante dezenove anos todos os dias sobre o livro de Apocalipse. Neste frênesi algumas pessoas podem se tornar obsecadas pelo tema e interpretar tudo a sua volta na perspectiva escatológica, inclusive centralizando Israel em sua interpretação.
Mas a escatofobia também deve ser evitada, não podemos deixar de falar sobre esses assuntos, por mais que alguns de fato sejam de difícil entendimento.
Neste estudo pretendemos abordar a morte física, que é parte da escatologia individual, que inclui ainda, a imortalidade da alma e a condição no estado intermediário.


I - Natureza da morte física.


Não costumamos pensar muito sobre a morte. Parece que tal pensamento ameaça nosso bem estar de alguma forma. É algo incômodo. Mas certo é que morreremos, a não ser que estejamos vivos quando Jesus voltar. Na verdade, não sabemos o que é a morte em essência, apenas conhecemos suas relações e ações.
A Bíblia nos fala de três tipos de mortes. A morte espiritual é a incapacidade humana para as questões espirituais, o estar separado da comunhão com Deus (Ef 2.1, 2); a morte eterna é subsequente à física e é punição divina ao pecador. O cristão não está sujeito a ela (Ap 2.6); e a morte física, que é nosso interesse no momento, é definida de diversas formas na Bíblia e tem um sentido diferente para o crente.
Jesus contrasta a morte do corpo com a morte da alma: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo” (Mt 10.28). A morte é descrita como término de psyche, ou seja, da vida animal, ou perda desta (Mt 2.20; Jo 12.25; At 20.24) e outras passagens. É descrita como separação do corpo e da alma ou espírito: “e o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu” (Ec 12.7).
A morte física não é inerente ao ser humano em sua condição original, existe por conta do pecado.


II - Relação entre o pecado e a morte.

A morte entra no mundo como punição pelo pecado, Gn 2.17. É resultado da morte espiritual: “porque o salário do pecado é a morte...” (Rm 6.23); e também 5.21; 1 Co 15.56; Tg 1.15. Desse modo, para os não salvos é ato punitivo de Deus em face ao pecado, cessação de toda possibilidade de salvação.
Para o cristão é consequência do fato do pecado no mundo, sem a presença do caráter punitivo, pois Cristo se tornou maldição na cruz em nosso lugar (Cl 3.13). Estamos sujeitos à morte, mas não vivemos sob o medo da morte (1 Co 15.54-57). Nessa perspectiva Paulo até ansiava encontrar-se com o SENHOR (Fp 1.20-23).


III - O significado da morte dos crentes.

Em sentido teológico qual o valor da morte para o cristão. Uma vez que não mais se trata de um caráter punitivo? Por que o cristão precisa passar por ela? Primeiramente o Senhor nos livrou da morte como punição, não como consequência do pecado.
Podemos entender, conforme assinala Berkhof (1990), que a morte física contribui para a nossa santificação, vejamos Hb 12.14: “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor”. Assim que os salvos morrem chegam perfeitos na presença do Senhor. Passam imediatamente a serem os “espíritos dos justos aperfeiçoados” (Hb 12.23; Ap 21.27).
Também ela nos livra do fardo do pecado. É a nossa entrada para a vida eterna, por isso podemos afirma que para o crente o “morrer é lucro” (2 Co 5.8; Fp 1.21). É nessa perspectiva que é dito no A. T: “Preciosa é à vista do Senhor a morte dos seus santos” (Sl 116:15 - ARA).
Podemos até afirmar de modo um tanto poético que ela, nosso “último inimigo” (1 Co 15.26), por conta da obra de Cristo, pode ser vista como nossa amiga, pois é por meio da morte que as portas do céu são abertas para nós. Para nós, portanto, não trata-se do fim, mas de um glorioso começo.


Conclusão

1. Deve ser lembrado que escatologia não é algo exclusivo do futuro. Jesus nos trouxe uma nova era, e vivemos nos últimos dias. Jesus conquistou na cruz a vitória final para nós, mas em nossa caminhada ela se expressa, por assim dizer, nas vitórias de nosso cotidiano. Isto significa que uma percepção escatológica não pode ficar penas na contemplação do futuro.

2. Embora seja exigido de nós que estejamos vigilantes e em prontidão quanto ao futuro, devemos sempre nos pautar na Palavra, e o estudo sério da mesma é essencial para não cairmos em exageros. Não podemos ficar identificando todo e qualquer evento histórico como cumprimento de profecia bíblica tentando predizer quando certos eventos históricos ocorrerão.

3. - Cristo deve ser engrandecido, quer pela vida, quer pela morte, v. 20.
           Pela vida, vivendo-a em obediência. Esse é o dever de todo homem. Todo ser humano deve atentar à chamada do evangelho a viver sua vida em conformidade com o que seu Criador, aquele que lhe deu a vida, exige dele. “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Mq 6.8). Desse modo a nossa prioridade nesta vida não pode ser aquilo que é temporal, não pode ser o juntar tesouros neste mundo. Devemos ter uma compreensão acerca de nossas prioridades, um entendimento de que devemos buscar acima de tudo aquilo que agrada a Deus. Jesus nos diz de modo tão claro: “buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33). É dessa forma que Cristo é engrandecido pela nossa vida.
           Ele é engrandecido pela nossa morte quando somos fieis até o fim, quando não recuamos na fé. Quando, por ter uma compreensão correta, bíblica, do que seja o morrer, não vivenciamos o medo da morte, pois nossa firmeza, nossa coragem está fundamentada em nossa fé, em nossa maravilhosa esperança de que ao partimos deste mundo nos encontraremos com Cristo.
“Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz me dará naquele dia; e não somente a mim, mas a todos quanto amam a sua vinda” (2 Tm 4.7, 8).


Referências     

1. ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 1997.
2. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas, SP: Editora Luz Para o Caminho, 1990.

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