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Pedro 2.18-25
Introdução: A carta se destina aos
forasteiros escolhidos da diáspora de Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia
(Barth, p. 9). Os leitores são eleitos de Deus, sendo gentios que se tornaram
cristãos pelo sangue de Jesus (1.2).
A
carta foi escrita numa situação de perseguição aos cristãos. Estes eram
difamados, caluniados e levados inclusive para os tribunais (2.12,15; 3.16;
4.3s., 14ss.). Não era uma perseguição por causa de roubo, assassinato,
maldade, mas por causa da vivência do Evangelho, que os transformara para
viverem diferentes. E isto o mundo de então não suportava. Quem se afastava das
condutas pagãs (1.14s.) era considerado estrangeiro, e como tal, conclamado por
Deus a um procedimento responsável na sociedade (2.13s., 15,20; 3.6,17).
Assim, a carta quer admoestar e encorajar os
cristãos para que não abandonem sua fé diante das perseguições (5.8ss.).
A l Carta
de Pedro foi escrita entre os anos 80 e 95 de nossa era. Como lugar onde foi
escrita é citado Babilônia (5.13). Entretanto, não se trata da Babilônia da
Mesopotâmia, pois não temos conhecimento de que Pedro tenha estado lá. Na
literatura apocalíptica, Babilônia é usada como símbolo para Roma (Ap 14.8;
16.19; 17.5; 18.2,10,21), o que se enquadra muito bem no fato de que Pedro lá
atuou, onde presumivelmente encontrou a morte. (Barth, p. 12).
Os
cristãos são raça eleita, sacerdócio real, nação santa (2.9). Daí devem manter
exemplar o seu procedimento no meio dos gentios (2.12). Escolhidos e enviados
formam uma unidade. Quem é escolhido por Deus precisa testemunhá-lo ao mundo e
viver a sua verdade. Nas chamadas regras familiares (2.13 a 3.9), é descrito
como os cristãos devem comportar-se (viver) no ambiente pagão: diante dos
não-crentes, das autoridades, na perseguição, no viver dos casados, no amor
fraternal. Tudo precisa ser vivido com temor diante de Deus (2.17), portanto,
com responsabilidade. E isto pode gerar conflitos e perseguições (1.6). A este
sofrimento o texto de l Pe 2.18-25 quer dar um conteúdo positivo. Assim, o
sofrimento é sinal do seguir a Jesus no caminho da cruz, de ser verdadeiro
discípulo de Cristo.
COMO
O DISCÍPULO DEVE ENFRENTAR A INJUSTIÇA
I – NÃO PAGANDO
INJUSTIÇA COM INJUSTIÇA, V. 18 e 19.
Vv. 18-20 – No contexto do Império Romano os servos ou
escravos não tinham direitos legais, eram considerados como coisas animadas e
seus senhores poderiam fazer o que quisesse com eles. Aqui neste texto trata-se
dos escravos domésticos. Diante deste texto, parece-nos que boa parte das
pessoas pertencentes aos grupos cristãos era oriunda da classe de escravos.
William Barclay nos dá uma excelente descrição
de como era essa escravidão:
“...No império romano havia
algo em torno de 60 milhões de escravos. A escravidão teve início com as
conquistas romanas, transformando-se os prisioneiros de guerras em escravos.
No princípio, Roma dispunha de poucos escravos, mas já nos dias no Novo Testamento
o número cresceu e se contavam aos milhões.
Os escravos não realizavam
apenas as tarefas inferiores; os médicos, os professores, os músicos, os
atores, os secretários, os mordomos... eram escravos. Na verdade, todo trabalho
em Roma era feito era feito por eles. A atitude dos romanos era que não havia sentido
em serem eles senhores do mundo e ainda ter que trabalhar. Que os escravos então
fizessem isso, enquanto eles, os cidadãos se entregavam ao ócio...
Os escravos não podiam se
casar; mas podiam procriar, sendo seus filhos, no entanto, propriedade do
senhor, assim como os cordeiros gerados pelas ovelhas pertenciam ao dono do
rebanho, e não às ovelhas.
Seria equivocado pensar que
esse enorme contingente de escravos vivesse vida deplorável e infeliz. Nem
sempre eram tratados com crueldade. Muitos escravos eram amados e considerados
membros da família. Mas sempre com a consciência de que, perante a lei romana,
um escravo não era uma pessoa, mas sim uma coisa. E, portanto, não tinha
direito algum. Por essa razão, não se podia falar em justiça, quando o assunto
fosse trato com um escravo. Aristóteles escreveu: ‘Não pode haver nem amizade
nem justiça para com uma coisa inanimada. Nem para com um cavalo ou um boi,
nem para com um escravo. O senhor e o escravo nada têm em comum; um escravo é
uma ferramenta viva, assim como uma ferramenta é um escravo sem vida.’...”
Aqui
está subtendido o seguinte problema: a mensagem do evangelho quebra a divisão
cultural entre servos e senhores, agora os servos cristãos teriam de ser vistos
e se considerarem também como pessoas que eram. No entanto obviamente que para
aqueles que não tinham senhores cristãos encontrariam por parte dos mesmos
oposição a esta ideia. Então o acontece é que:
A - O senhor o castiga por sua confissão a Cristo;
B - O senhor faz exigências ao servo, que este nega
por motivos de consciência (Barth, p. 70).
Mas o
apóstolo diz aos servos para serem submissos. Parece ser uma mensagem
ultrapassa para o nosso século 21 no qual as pessoas estão extremamente
voltadas à luta pelos seus direitos. No entanto podemos aprender com aqueles
discípulos de Cristo que eram servos e com o que Pedro ensina a eles.
Certamente que aqueles irmãos sofreram muitas injustiças. Não deveria haver
rebelião, não deveria haver revolta, não deveria haver qualquer tipo de ração
violenta por parte do servo cristão. Mesmo injustiçados estariam sofrendo não
por algum erro, não por crimes cometidos.
Lembremos que por nossas limitações se tentarmos agir
de conformidade com nossos pensamentos, se não tivermos fé de nos submeter ao
Senhor, se tentarmos fazer nossa própria justiça muito provavelmente estaremos
incorrendo no erro de estar sendo injusto.
Sofrer
a injustiça sem revidar, sem nutrir sentimento de vingança, sabendo que o
Senhor é o juiz e que ele exercerá a sua justiça no devido tempo, eis o desafio
para o verdadeiro discípulo.
II – NÃO ESQUECENDO
SUA CONDIÇÃO DE SALVO, V. 20-21ª e 25.
Diante
da injustiça, a ética não-cristã tem duas opções: resignar-se e sofrer,
ou revoltar-se e derramar sangue como se fosse água. A ética divina,
porém, é dotada de uma terceira arma que a incredulidade não conhece: a oração.
O salmista disse-o muito bem:
“Continuarei a orar enquanto os perversos praticam
maldade” (Sl 141.5).
O
sevo cristão deveria lembrar o que todo discípulo de Cristo deve lembrar: orar
por aquele que lhe persegue.
“Eu, porém, vos
digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que
vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais
filhos do vosso Pai que está nos céus...” (Mt 5.44, 45a).
O
apóstolo Pedro faz lembrar àqueles irmãos que agora a reação deles deve ser
diferente, pois foram convertidos ao pastor e Bispo de suas almas (v. 25). Antes: bateu, levou, olho por olho,
dente por dente; agora: perdão e
intercessão. O discípulo tem que ser pacífico: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de
Deus” (Mt 5.9).
Sem
lutas, sem guerras, sem violência o cristianismo lançou o alicerce para que a
escravidão deixasse de existir naquele contexto histórico. A cruz de Cristo
nivela todos a um mesmo nível, tanto é que nos cultos os senhores sentavam
juntos dos escravos. Até mesmo
aconteceu de um ex-escravo, Calisto, vir a ser pastor de Roma.
III – SEGUINDO O
EXEMPLO DE CRISTO, V. 21b-24.
V. 21 b: Cristo sofreu em nosso lugar. Ele
experimentou o sofrimento até as últimas consequências. Os cristãos precisam
seguir este exemplo. Seguir a Cristo no sofrimento é algo estranho em uma
cultura evangélica na qual a mensagem de muitos é justamente “pare de sofrer”.
É claro que seguir o exemplo de Cristo no sofrimento não se refere a amar o
sofrimento, nem a ser masoquista, mas ao fato de saber que o verdadeiro
discípulo é participante dos sofrimentos de Cristo, pois afinal ele está em total
contraste com os padrões dominantes na sociedade ímpia, o que fatalmente será
razão de sofrimento em algumas circunstâncias.
Vv. 22-24: Este hino cristológico é determinado por
Isaías 53. Já cedo, procurou-se ligar o sofrimento de Jesus a palavras do
Antigo Testamento.
Quando
ultrajados, quando maltratados, quando injustiçados, façamos a pergunta: O que
Jesus faria se estivesse no nosso lugar?
Quantos
insultos, quantas palavras ofensivas, quanta ingratidão Jesus teve de sofrer
por amos a mim e a você. E o que quer de nós? Que possamos seguir seus passos e
imitá-lo ao estarmos diante de situações semelhantes.
É
interessante que é justamente Pedro quem escreve sobre isso. O aposto Pedro que
era o mais impetuoso dentre os discípulos, o mais instintivo, mas lembre-se de
não confundir o Pedro que puxou a espada para defender Jesus com o Pedro agora
transformado e que lembra aos que sofrem a confiar no Senhor. E ele complementa
no cap. 3.8-9: “Finalmente, sede todos de
igual ânimo, compadecidos, fraternalmente amigos, misericordiosos, humildes,
não pagando mal por mal ou injúria por injúria; antes, pelo contrário,
bendizendo, pois para isto mesmo fostes chamados, a fim de receberdes bênção
por herança”.
Aplicações: 1. Sabemos que uma coisa é
termos a ideia de não revidar diante da injustiça, outra diferente vivenciar a
circunstância. No entanto, se entendermos que os princípios do discipulado
cristão não mudaram e aceitarmos isso de coração será menos difícil quando
viermos a necessitar enfrentar uma situação na qual estaremos sendo
injustiçados.
2. Como discípulo entregue nas mãos do Senhor toda
situação de conflito, não com o desejo de que o Senhor arrase quem lhe ofendeu,
mas confiando que em Sua Sabedoria Ele fará o que lhe apraz e que devemos
entender a sua vontade como sendo boa, perfeita e portanto nos agradar nela (Rm
12.1).
3. Que as circunstâncias que você passa, ainda que
alguém esteja lhe fazendo sofrer injustamente não se esqueça de és discípulo(a)
de Cristo, e que portanto, a sua reação deve ser concernente á sua condição de
salvo(a).
4. Não estamos afirmando que o cristão não possa fazer
uso de meios legais diante da injustiça, Paulo apelou para a Suprema Corte do
Império Romano, o julgamento de César. O que estamos dizendo é que é preferível
sofrer a injustiça a reagir injustamente e que o sofrimento que nos vem
injustamente como forma de perseguições por razão de sermos discípulos de
Cristo é algo que deve ser vivenciado de modo a glorificar á Deus.
Conclusão: Numa de suas cartas, Dietrich
Bonhoeffer (pastor luterano, que foi perseguido, preso e morto durante a
Segunda Guerra Mundial por causa de seu testemunho cristão) expressou bem o que
significa seguir os passos de Jesus:
Se tu
nos alcanças o cálice pesado,
O amargo do sofrimento, cheio até as bordas,
Assim o recebemos gratos sem tremer
De tua mão bondosa e amável.
O amargo do sofrimento, cheio até as bordas,
Assim o recebemos gratos sem tremer
De tua mão bondosa e amável.
É bem
mais fácil aceitar tudo da mão de Deus quando as coisas vão bem. Mas, quando há
sofrimento, costuma-se dizer que Deus nos abandonou. O nosso texto quer
ensinar-nos que com Cristo podemos sofrer, pois, como Ele venceu, nós
venceremos com Ele. Esta certeza precisa ser vivida na fé.
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