A difícil trajetória de Pedro

Marcos 14.27-31; 53 e 54

27 Então, lhes disse Jesus: Todos vós vos escandalizareis, porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas ficarão dispersas.
28 Mas, depois da minha ressurreição, irei adiante de vós para a Galiléia.
29 Disse-lhe Pedro: Ainda que todos se escandalizem, eu, jamais!
30 Respondeu-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes.
31 Mas ele insistia com mais veemência: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei. Assim disseram todos.
53 E levaram Jesus ao sumo sacerdote, e reuniram-se todos os principais sacerdotes, os anciãos e os escribas.
54 Pedro seguira-o de longe até ao interior do pátio do sumo sacerdote e estava assentado entre os serventuários, aquentando-se ao fogo.
66 Estando Pedro embaixo no pátio, veio uma das criadas do sumo sacerdote
67 e, vendo a Pedro, que se aquentava, fixou-o e disse: Tu também estavas com Jesus, o Nazareno.
68 Mas ele o negou, dizendo: Não o conheço, nem compreendo o que dizes. E saiu para o alpendre. [E o galo cantou.]
69 E a criada, vendo-o, tornou a dizer aos circunstantes: Este é um deles.
70 Mas ele outra vez o negou. E, pouco depois, os que ali estavam disseram a Pedro: Verdadeiramente, és um deles, porque também tu és galileu.
71 Ele, porém, começou a praguejar e a jurar: Não conheço esse homem de quem falais!
72 E logo cantou o galo pela segunda vez. Então, Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe dissera: Antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes. E, caindo em si, desatou a chorar.


Introdução

           O pastor Saeed Abedini, 32 anos, foi condenado a oito anos de prisão por pregar o evangelho no Irã. Abedini nasceu no Irã, mas tinha cidadania americana e está preso no Irã desde setembro de 2012.
           Pela segunda vez ele consegue enviar uma carta, onde narra o que tem vivido dentro da prisão de Evin, onde ressalta que só sairá de lá quando negar a Cristo. Mas assevera: “eles nunca vão ouvir isso de mim”.
(Fonte: http://noticias.gospelprime.com.br/carta-saeed-abedini/)


Elucidação

           Continuamos caminhando nas últimas horas do ministério terreno de Jesus. Ele foi ungido por Maria em Betânia, ordenou aos discípulos que preparassem tudo para comerem a sua páscoa juntos, a última ceia com seus discípulos. Nesta ceia ele indica quem será aquele que irá traí-lo, depois se retira para o monte das Oliveiras a fim de orar. Passa a fazer predições de fatos que logo se sucederão, será abandonado por todos e negado por um dos onze discípulos restantes. É em meio a todos esses eventos que nos deparamos com os fatos acontecidos na vida de Pedro que trazem grandes lições para nós.




I – Pedro é avisado por Jesus, v.27-31.

           No v. 27 Jesus diz que eles se escandalizarão com ele. A NVI traduz: “TODOS VOCÊS ME ABANDONARÃO”. E de fato a palavra que é traduzida por “escândalo” tem o sentido de abandono. Então ele faz uma citação de Zacarias 13.7. E o motivo deste abandono é para evitar o sofrimento, Jesus está lhes dizendo que eles não irão participar de suas dores. Imaginemos como pode ter sido difícil para os discípulos ouvirem isso. Eles caminharam com Jesus por mais ou menos três anos, ouviram seus ensinamentos, testemunharam ele realizar muitos milagres, vivenciaram com ele as disputas com os fariseus e agora ele simplesmente diz que eles o abandonarão.
           “Mas, depois da minha ressurreição, irei adiante de vós para a Galileia” (v. 28). Galileia era a cidade onde eles tinham iniciado sua vida de discípulos (3.14) haveria de ser também o lugar do novo começo deles (16.7). É interessante como logo depois de ele falar do abandono dos discípulos diz o que ocorrerá após ressuscitar. Ele está dizendo: mesmo sendo abandonado continuarei sendo o pastor de vocês, mesmo sendo abandonado continuarei guiando vocês, meu amor por vocês não diminuirá, continuarei liderando vocês. Que maravilhosa revelação da misericórdia de Cristo!
           É muito fácil olharmos para os discípulos e julgá-los, mas quantos de nós muito frequentemente caímos no mesmo pecado? Quantos de nós não abandonamos a Cristo temporariamente? Muitas vezes à semelhança dos discípulos tememos a rejeição e o desprezo das pessoas. Sobre isto Martin Lloyde Jones expressa um pensamento interessante:

                    “Se você nunca se envergonhou de proclamar abertamente o evangelho, isso não é porque você é uma pessoa muito corajosa, mas é porque, provavelmente, você não entende o evangelho. Porque se você realmente proclamar o evangelho completo, você tem que enfrentar o pecador de uma maneira que fará com que ele rejeite você e a sua mensagem. E isso pode levar-nos ao silêncio." (Martin Lloyd-Jones)

           No v. 29 Pedro demonstra bastante arrogância, coloca-se separado dos demais e demonstra alta confiança em si mesmo em sua pretensa capacidade de manter-se fiel. Também fica clara aqui a sua impulsividade. Era o tipo de homem que falava aquilo que logo lhe vinha à mente, isso demonstra uma falta de domínio próprio e de sabedoria.
           O que Jesus lhe diz no v. 30 é que ele o negaria três vezes, ou seja, de maneira completa e indiscutível. A ênfase de Jesus que essa negação seria por três vezes declara que não se trata apenas de um escorregão de Pedro, mas algo intencional, uma negação indiscutível. Como deve ter sido difícil para Pedro ouvir aquilo, ele considerava a ideia do abandono um absurdo, ainda mais a da negação. Não conhecia a si mesmo, não sabia o quanto era falho.
           Como fica claro no v. 31 este sentimento não era apenas de Pedro, pois os demais discípulos fazem coro às suas palavras. Meus irmãos, que abismo há entre a teoria e a prática! Quantos de nós também talvez tenhamos feito promessas a Cristo no início de nossa caminhada! E quantos de nós também não nos decepcionamos com a nossa medíocre capacidade de cumprir tais promessas. E o Senhor nos permite isso para que aprendamos que por nós mesmos não conseguiremos, para que confiemos mais nele, para que exaltemos de modo maravilhoso Sua graça.
           Deseje nunca abandonar o seu Senhor, nunca negá-lo, mas não seja pretensioso, admita sempre a possibilidade de que isso pode acontecer.



II – Pedro nega a Jesus, v. 53, 54, 66-72.

           Quando Jesus é preso e levado ao julgamento do Sinédrio Pedro o segue de longe (Mt 26.58). Embora Pedro se exponha um pouco, ainda fica muito discreto, esquentando-se do frio juntamente com alguns empregados que ali se encontravam (v. 53, 54).
           Interpelado por uma criada do sumo sacerdote, que talvez tenha feito uma afirmação até de forma ingênua, ele nega a Jesus. E ao fazê-lo utiliza de palavras que era considerada como uma maldição em uso entre os judeus: “não conheço este homem”. Que contraste com 8.29: “TU és o Cristo”.
           “Mas ele outra vez o negou” (v. 70). Com isto, seu dialeto chamou a atenção. Os galileus eram vistos como simpatizantes de Jesus, havia muitos deles que tinham ouvido à mensagem de Jesus e que estavam naquela época em Jerusalém para a Festa da Páscoa. Agora Pedro realmente corria perigo, não havia como dizer que não era discípulo de Jesus.
           “Ele, porém, começou a praguejar e a jurar” (v. 71). Pedro evita usar o nome de Jesus ou qualquer título dele, utiliza uma forma de negação. Onde estava sua coragem? Onde estava sua ousadia?
           À semelhança dele, embora não sobe ameaça de morte, não praguejamos contra Cristo, jamais falamos que não o conhecemos, no entanto, o negamos de outros modos. Não seria exagero afirmar que toda atitude anticristã é uma negação de Cristo para aquele que é cristão. O deixar-se levar pelo pecado é o mesmo que negar a Jesus. Você nega a Jesus quando mente, nega a Jesus quando não busca a vontade de Deus para sua vida, nega a Jesus quando não está vivendo em obediência a ele.
           No entanto, o texto também nos mostra o seu arrependimento. Chorou e profundo foi o seu choro. Ele caiu em si, percebeu o seu pecado. Que dura lição Pedro aprendera.
           Que Deus em sua graça nos desperte assim como despertou Pedro para que percebamos o quanto ofendemos ao nosso salvador quando confiamos em nós mesmos. Muitas vezes ocorrem em nossa caminhada algumas quedas. Mas podemos nos levantar, ou melhor, sermos levantados pelo Senhor. Que possamos como Pedro chorar pelos nossos pecados!


III – Pedro aprende uma grande lição de Jesus, Jo 21.15-17.

15 Depois de terem comido, perguntou Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros? Ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Ele lhe disse: Apascenta os meus cordeiros.
16 Tornou a perguntar-lhe pela segunda vez: Simão, filho de João, tu me amas? Ele lhe respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Pastoreia as minhas ovelhas.
17 Pela terceira vez Jesus lhe perguntou: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro entristeceu-se por ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu me amas? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas.

           Neste texto que relata uma conversa de Jesus com seus discípulos após a sua ressurreição encontramos um Pedro bastante constrangido por Jesus perguntar a ele três vezes se ele de o fato o amava. Com certeza ainda estava muito recente em sua memória que ele o havia negado.
           Ao mencionar esse texto não quero focalizar nas diferenças entre as palavras AGAPAS e FILEIS, mas seguindo a linha de eruditos como D. A. Carson, F. F. Bruce e João Calvino, estarei me atendo às sentenças completas.
           As palavras de Jesus aqui são plenas de ternura, ele não está rechaçando Pedro por sua atitude anterior, estar restaurando-o em amor.
           “Amas-me mais do que estes outros?” (v. 15). A expressão “estes outros” sugere os outros discípulos. A pergunta de Jesus então é: “Você me ama mais do que estes outros discípulos me amam?”. É evidente que não havia como Pedro poderia saber se amava Jesus mais do que os outros discípulos, e a pergunta é feita para ele refletir e perceber seu devido lugar. Há pouco tempo Pedro achava que amava a Jesus mais que todo mundo. “Disse-lhe Pedro: Ainda que todos se escandalizem, eu, jamais!" (Mc 14.29). Agora, ele não ousa se comparar com os outros discípulos, apenas reafirma seu amor ao Mestre: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”.
           Jesus não insiste na comparação, apenas diz a ele como esse amor deve ser demonstrado: “Apascenta os meus cordeiros”. Nas outras vezes que Jesus faz a mesma pergunta é apenas para reforçar como ele deveria demonstrar o seu amor. É o Senhor Jesus restaurando Pedro.
           Jesus não desistiu de Pedro, fez dele um grande líder da igreja. De igual modo ele não desiste de nenhum de nós. Sejam quais forem as nossas falhas Jesus é o restaurador sempre presente e deseja que demonstremos o nosso amor por ele.


Aplicação

1. Observando a experiência de Pedro aprendemos que pouco sabemos como iremos agir em dada situação enquanto não passamos por ela. As nossas circunstâncias podem alterar os nossos sentimentos. Que possamos orar ao Senhor pedindo que ele nos conceda humildade, pois “a soberba precede a ruína, e altivez de espírito, a queda” (Pv 16.18).

2. Não há grau de pecado em que você não possa descer se não vigiar e orar. Em nossos corações ocultam-se as sementes de todos os mais terríveis pecados. “Aquele, pois que pensa estar em pé, veja que não caia” (1 Co 10.12). A nossa oração deve ser: sustenta-me ó Senhor, e estarei seguro!
3. Pedro sempre foi bastante impulsivo, era uma característica de sua personalidade. Mas cuidado com a impulsividade, embora as primeiras reações nem sempre sejam erradas, podem apresentar perigos. Nossos impulsos, nossas línguas, e até os nossos pensamentos devem ser controlados pela vontade de Deus (veja 2 Pedro 1:6; Tiago 3:1-12; 2 Coríntios 10:5).

4. Como mostra o texto de Jo 18.15-18 foi João quem conseguiu que Pedro entrasse na casa do sumo sacerdote, com isto ele estava agora exposto a um momento de tentação. Quando enfrentar a tentação, procure a saída. Ela existe (1 Coríntios 10:13). Nunca é necessário pecar. Pedro não aproveitou as saídas que Deus lhe ofereceu. Pense em algumas alternativas que ele não escolheu: (a) Não entrar no lugar de tentação; (b) Confessar a sua fé abertamente; (c) Orar e pedir ajuda a Deus; (d) Procurar a ajuda de João, o irmão que estava perto; (e) Uma vez que Pedro se encontrou num ambiente mau, poderia ter saído. Não negue a Jesus com suas atitudes, busque sempre uma dessas saídas quando estiver em tentação.

5. Assim como Jesus ensinou a Pedro é incabível alguma comparação que possamos fazer de nossas vidas com outras pessoas. Não se perda em comparações se você é mais ou menos consagrado que outros, se o ama mais ou menos que outros. Apenas viva esse amor por Cristo. Você cairá às vezes, mas ele também te restaurará e te ensinará como é maravilhoso continuar caminhando.


Conclusão

           Não tenho dúvida da coragem do Pr. Saeed Abedini. Que todos nós tenhamos coragem igual, que na dependência do Espírito Santo nos afastemos de todo tipo de negação ao nosso amado Senhor Jesus, seja por palavras ou atos. Que suas palavras a esse respeito sempre estejam em nossas mentes:
“Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus; mas aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus” (Mateus 10.32-33).


(Sermão pregado na Igreja Batista dos Guararapes em 12 de março de 2014 no Culto Solene).


Referências

RYLE, J. C. - Meditações no evangelho de Marcos. Editora Fiel, 2 edição, São Paulo, 2007, p. 133.
POHL, Adolf - O Evangelho de Marcos, Comentário Esperança. Editora Evangélica Esperança, Curitiba, PR, 1ª edição, 1998.
DAVIS, John D. – Dicionário da Bíblia.  Rio de Janeiro – RJ, editoras Candeia e JUERP, 20ª edição, 1996.

RIENECKER, Fritz & ROGERS, Cleon – Chave linguística do Novo Testamento grego. Editora Vida Nova, São Paulo, SP, 3ª edição, 1995. 

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