2 João - A UNICIDADE DA DOUTRINA E DO AMOR PRÁTICO PARA A SAÚDE ESPIRITUAL DA IGREJA

 


O presbítero à senhora eleita e aos seus filhos, a quem amo na verdade, — e não apenas eu os amo, mas também todos os que conhecem a verdade —
por causa da verdade que permanece em nós e estará conosco para sempre.
A graça, a misericórdia e a paz da parte de Deus Pai e de Jesus Cristo, seu Filho, estarão conosco em verdade e em amor.
Ao encontrar alguns dos seus filhos, muito me alegrei, pois eles estão andando na verdade, conforme o mandamento que recebemos do Pai.
E agora eu lhe peço, senhora — não como se estivesse escrevendo um mandamento novo, o que já tínhamos desde o princípio — que nos amemos uns aos outros.
E este é o amor: que andemos em obediência aos seus mandamentos. Como vocês já têm ouvido desde o princípio, o mandamento é este: que vocês andem em amor.
De fato, muitos enganadores têm saído pelo mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em corpo. Tal é o enganador e o anticristo.
Tenham cuidado, para que vocês não destruam o fruto do nosso trabalho, antes sejam recompensados plenamente.
Todo aquele que não permanece no ensino de Cristo, mas vai além dele, não tem Deus; quem permanece no ensino tem o Pai e também o Filho.
Se alguém chega a vocês e não trouxer esse ensino, não o recebam em casa nem o saúdem.
Pois quem o saúda torna-se participante das suas obras malignas.
Tenho muito que lhes escrever, mas não é meu propósito fazê-lo com papel e tinta. Em vez disso, espero visitá-los e falar com vocês face a face, para que a nossa alegria seja completa.
Os filhos da sua irmã eleita lhe enviam saudações (2 João NVI).


Introdução

 

A igreja primitiva teve que enfrentar muitos problemas doutrinários, a luta contra as heresias era algo constante. As heresias que apareciam podem ser divididas basicamente em duas vertentes: houve durante longo tempo o problema dos legalistas judaicos, queriam que as pessoas convertidas a Cristo também assumissem alguns costumes do judaísmo, o terrível dessa doutrina era que eles praticamente estavam afirmando que necessitavam de algo mais para de fato serem salvos. Mas houve também durante logo tempo a influência da doutrina gnóstica que asseverava que a carne (matéria) é impura, Deus é espírito, logo, por ser puro não poderia de fato ter encarnado. Tal doutrina afeta a doutrina de Cristo, pois a conclusão é que Jesus não poderia ser ao mesmo tempo Deus e homem, assim, dizia alguns que Jesus apenas parecia ser homem, que tinha na verdade uma forma etérea, como um fantasma (Docetismo); e outros, que havia o Jesus homem, mas o Cristo eterno, o Logos divino veio sobre Jesus no momento do batismo e se retirou no momento de sua morte (Cerintianismo). Tal doutrina afetaria também a ressurreição do corpo. Eram questões sérias que precisavam ser tratadas com igual seriedade. O apóstolo João ao escrever essa epístola combate a segunda heresia mencionada.

Em nossos dias é muito comum vermos as pessoas enaltecerem a vida prática em detrimento da doutrina que deve fundamentá-la, João, porém combate a falsa doutrina relacionando isso com o tema prático do amor, e é sob essa perspectiva que iremos refletir nessa epístola.


 

I – A VERDADE DO EVANGELHO DEVE NOS LEVAR A AMAR NOSSOS IRMÃOS, V.1-3.

 O presbítero à senhora eleita e aos seus filhos, a quem amo na verdade, — e não apenas eu os amo, mas também todos os que conhecem a verdade —

por causa da verdade que permanece em nós e estará conosco para sempre.
A graça, a misericórdia e a paz da parte de Deus Pai e de Jesus Cristo, seu Filho, estarão conosco em verdade e em amor (2 Jo 1-3 NVI).

Esse texto tem um ponto de discussão que muitos comentaristas têm opiniões discordantes, trata-se do destinatário da epístola. Estaria João escrevendo a uma mulher crente que teve muitos filhos que também eram cristãos ou a carta destina-se a uma igreja local, e ele personifica essa igreja como sendo uma mulher? Há tanto argumentos convincentes para uma e outra teoria.

Para Rienecker e Rogers pode ser tanto uma pessoa ou uma igreja local personificada. Quem acredita que era uma mulher argumenta que essa mulher era uma líder local na igreja que se reunia em seu lar. Para quem acredita que João em sua linguagem está personificando a igreja como uma mulher ver o v. 13 como indicativo disso em entender que seria uma grande coincidência de uma irmã dessa mulher está junto ao apóstolo João quando escreveu a epístola. Independentemente de qual teoria esteja certa o mais importante é o que João diz. Mas iremos abordar o texto a partir da ideia de que se trata de uma comunidade local a qual João quis escrever a ela personificando-a como uma mulher.

Ele diz que não apenas ele, mas todos os que conhecem a verdade também amam aquela igreja, justamente porque estão também na verdade e não poderia ser diferente. “Verdade” aqui significa a realidade divina, ou seja, o próprio Deus revelado na pessoa de Seu Filho Jesus Cristo bem como na mensagem do evangelho.

O que João nos mostra então é que todos que estamos ligados espiritualmente por estarmos na verdade, inevitavelmente devemos amar de modo especial aqueles que se encontram também na Verdade.

É impossível então dizer que é salvo sem vivenciar o amor, dizer que conhece a verdade do evangelho sem ter sido libertado da prisão do ódio. João diz dessas duas realidades como unificadas para aqueles que estão em Cristo.

 

II – A VERDADE DO EVANGELHO E O AMOR PRÁTICO SÃO INSEPARÁVEIS, V.4-6.

 Ao encontrar alguns dos seus filhos, muito me alegrei, pois eles estão andando na verdade, conforme o mandamento que recebemos do Pai.

E agora eu lhe peço, senhora — não como se estivesse escrevendo um mandamento novo, o que já tínhamos desde o princípio — que nos amemos uns aos outros.
E este é o amor: que andemos em obediência aos seus mandamentos. Como vocês já têm ouvido desde o princípio, o mandamento é este: que vocês andem em amor (2 Jo 4-6 NVI).

V.4 João demonstra sua alegria porque ao encontrar alguns membros daquela igreja percebe que eles estavam “andando na verdade”. Sua alegria é porque ele sabia que infelizmente alguns estavam sendo seduzidos pelo erro propagado pelos pregadores itinerantes. Essa verdade prática estava sendo então o centro da vida deles, o comportamento estava de acordo com o evangelho. Antes viviam segundo as inclinações da carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos (Ef. 2.3), agora vivem segundo a vontade revelada do SENHOR. Motivo, portanto, de alegria para o apóstolo.

Andar na verdade não é uma alternativa para nós, mas como ele acentua, um mandamento que recebemos do Pai. E uma vez que temos o conhecimento da verdade somos implicados com a responsabilidade advinda desse conhecimento. Assim, como igreja devemos defender a verdade revelada contra as heresias, batalhar pela fé que nos foi entregue (Judas 3), pois a igreja é “coluna e baluarte da verdade” (1 Timóteo 3.15).

E agora no v. 5 como forma de aplicar o andar na verdade ele não traz algo novo, mas ele pontua, um mandamento que receberam desde o princípio – o amor mútuo. A ênfase no amor aqui faz-nos pensar que aqueles que estavam se deixando levar pelas heresias não estavam vivenciando o amor. Sem dúvida uma prova que de fato estamos ma verdade, que somos realmente de Cristo é a vida em amor, Jesus disse isso: “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros" (Jo 3.35).

No v. 6 vemos como ele faz uma argumentação cíclica para falar acerca do amor. Ele traz uma definição do que é esse amor, e aqui a expressão que ele utiliza para amor é agape (ágape), o amor divino. O amor então é guardar os mandamentos do SENHOR. Como diz o Senhor Jesus:Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada. Quem não me ama não guarda as minhas palavras; e a palavra que estais ouvindo não é minha, mas do Pai, que me enviou” (João 14.23,24). Mas o que é o mandamento? Ele diz – andar em amor, como consta em Romanos 13.8: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei”.

O que de fato então João está dizendo? Que devem amar, mas o amor deles não pode ignorar a opinião das pessoas acerca de Cristo e nem a conduta delas. Nosso amor aos outros não nos deve fazer infiéis à Palavra de Deus. Ou seja, o nosso amor tem de estar fundamentado na verdade de Deus.

 

III – NÃO É BÍBLICO TER COMUNHÃO COM QUEM PREGA HERESIA, v.7-11.

 De fato, muitos enganadores têm saído pelo mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em corpo. Tal é o enganador e o anticristo.

Tenham cuidado, para que vocês não destruam o fruto do nosso trabalho, antes sejam recompensados plenamente.
Todo aquele que não permanece no ensino de Cristo, mas vai além dele, não tem Deus; quem permanece no ensino tem o Pai e também o Filho.
Se alguém chega a vocês e não trouxer esse ensino, não o recebam em casa nem o saúdem.
Pois quem o saúda torna-se participante das suas obras malignas (2 Jo 7-11 NVI).

A partir do v. 7 até o 11 o Apóstolo João muda então o foco dos irmãos da comunidade cristã para os hereges que poderiam ser um perigo para eles. Tais homens impregnados por uma doutrina que geraria o gnosticismo, que negavam a humanidade de Cristo são chamados de enganadores e de anticristos. A expressão que ele utiliza para “enganadores” traz o sentido não apenas de alguém que tem um ensino errado, mas que influencia para uma atitude errada. E de fato a doutrina influencia a prática, agimos de acordo com aquilo que cremos. Por isso podemos dizer que quem prega heresia demonstra sua falta de amor às pessoas. Claro que há aqueles que ensinam de forma errada por estarem enganados, mas também há aqueles que são maquiavélicos, sabem que o que ensinam é errado, mas o fazem por interesses próprios, mas tanto uns quanto outros estarão prejudicando a santificação dos salvos.

Aqueles enganadores eram anticristos, estavam contrários e contra Cristo. Há muitos assim hoje, embora estejam supostamente falando de Jesus.

Desse modo, quem prega heresia não apenas não esta amando a igreja como também não ama a Cristo.

A igreja então deveria se acautelar para não dar espaço a essa pessoas para não se prejudicarem deixando que todo o trabalho doutrinário realizado pelo apóstolo não estivesse frutificando em suas vidas, ou seja, deixarem de estar vivenciando uma vida cristã saudável espiritualmente em crescimento na graça, na fé e no conhecimento de Deus!

No v. 9 ele faz questão de novamente nomear o erro que está combatendo, pois tais falsos mestres alegavam ter um doutrina superior a que Cristo tinha ensinado aos apóstolos, João diz então que quem ia além da doutrina ensinada não tem nem o Pai nem o Filho, mas apenas quem permanece na doutrina pura. É impossível, portanto, ter comunhão com Deus enquanto se nega o Filho.

Devemos amar a Cristo mais do que aos hereges, v. 10 e 11. O que ele diz no v. 10 é uma referência a que eles não recebam esses falsos mestres em suas casas. Lembremos que a igreja reunia-se nos lares. Então é não recebê-los na reunião da igreja, não dar a eles a oportunidade de propagarem seus falsos ensinos. Não se trata de não ser hospitaleiros com eles, João não está sendo hipócrita, ele sempre ensinou sobre o amor, e uma das formas de demonstrar amor, de modo especial naquele contexto histórico-cultural era pela hospitalidade. Os cristãos poderiam hospedar tais pessoas desde que elas não estivessem apregoando suas heresias.

Tolerar doutrinas e ou pessoas na igreja que contrariam os ensinos de Jesus sob argumentação do amor é inconsistente com a Palavra.

 

Conclusão

 

1. Verdade sem o amor pode nos levar ao legalismo, amor sem a verdade pode nos levar à libertinagem. Logo, ambos têm de estar juntos em nossas vidas!

 

2. Os anticristos estão multiplicados em nossos dias, lobos vestidos com peles de ovelhas, enganadores que prejudicam a vida espiritual do povo de Deus e que são um atrapalho para a pregação do evangelho da graça de Deus, logo, prejudicando a evangelização de quem não conhece a Cristo. Diante dessa realidade não podemos nos calar, por isso é relevante refletirmos sobre esse assunto e estarmos nos posicionando em defesa do evangelho de Cristo.

 

3. Vejam como no v. 12 João demonstra seu desejo de estar junto aos irmãos, isso porque quem vive na verdade quer estar em comunhão, se alegra por estar junto dos irmãos, quer vivenciar relacionamentos verdadeiros. Os falsos mestres não são assim.

 

4. Tenham cuidado com quem vocês podem estar ouvindo, pois muitos falsos mestres dos nossos dias têm muito espaço nas mídias sociais, fujam de todo ensino que percebe que contraria a Palavra de Deus que tem sido ensinada a vocês!

 

 

 Referência


RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego. Ed. Vida Nova, São Paulo, 1995.




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