Introdução
O livro de Eclesiastes foi
escrito pelo rei Salomão em sua maturidade, depois de muito viver, de muito
errar, de muito aprender. É um livro considerado por alguns como pessimista,
fatalista, ou outros istas.
Certamente usa uma linguagem que hoje consideraríamos como existencialista.
È boa a descrição de
Eclesiastes por J. Stafford Wright. O Mestre, ele escreve, examina para nós o
sentido da vida,
repetidamente em suas
mãos de tal forma que nós vemos a vida de todos os ângulos. Ele nos força a
admitir que é vaidade, vazio, futilidade; ainda que não no sentido de que não é
digno viver. O uso do termo ‘vaidade' por Koheleth descreve alguma coisa muito
maior que isto. Toda a vida é vaidade neste sentido, que ela é incapaz de nos dar
a chave de si mesma. O livro é o registro da busca pela chave para a vida. É
uma tentativa de dar um sentido à vida, de vê-la como um todo. E não há existe
uma chave debaixo do Sol. A vida perdeu a chave para si mesma. ‘Vaidade de
vaidades, tudo é vaidade'. Se você quer a chave, você deve ir ao chaveiro que
fez a tranca. ‘Deus tem a chave de todo o desconhecido.' E ele não dará ela
para você (WRIGHT apud STORMS).
Nessa última frase acredito
que ele quer dizer que você terá que aceitar o que Ele revela acerca da vida. E
nesse capítulo ele nos fala por meio do pregador de sofrimento e de nossa
reação ao sofrimento, nos fala da forma que ele nos vem a partir do sentido que
damos às coisas da vida. E nos fala também o que em sua graça Ele nos concede
para nos auxiliar em meio às dores.
I – O
pregador denuncia que no viver há sofrimento, v. 1-4.
O pregador do alto de suas
experiências relata o que percebeu. Opressões, pessoas poderosas oprimindo as
não poderosas. Violência e desamparo no contexto social. É até interessante
Salomão falar desse modo, uma vez que ele mesmo também foi disseminador de opressão.
Conquanto tenha sido um rei que soube estabelecer a paz e prosperidade, foi
também um rei que para que a nação prosperasse instituiu pesados impostos para
o povo. Quando ele morre o povo veio pedir ao seu filho Roboão para diminuir as
cargas de impostos (1 Rs 12.4).
Violência, desamparo,
injustiça e tantas outras coisas às quais estamos sujeitos a vivenciar. O
sofrimento faz parte da vida. Alguns nos atingem pessoalmente: o desemprego, o
divórcio, o luto, a ansiedade, a depressão etc. E há aqueles sofrimentos que
nos vem como consequência do contexto social. Somente em 2015 foram registrados
52 morte e 86 feridos por balas perdidas no Brasil. As crianças entre 0 e 10
anos foram as maiores vítimas, 15 mortos e 17 feridos.
A situação é tal que o pregador
utiliza uma licença poética nos v. 2 e 3. Mais felizes os que não nasceram ou
que já morreram, por estarem livres das dores do mundo. Essas palavras jamais
podem ser usadas para defesa do aborto, como o fez Edir Macedo, há anos. O texto
fala de crianças ainda não existentes, por não conhecerem os infortúnios desse
mundo são mais felizes que nós. Não é um texto para entendê-lo em sua literalidade,
como disse, é uma licença poética do autor. Não fala aqui de gestações
interrompidas. O aborto na Bíblia é proibido, é assassinato, é quebra do
mandamento divino.
As expressões do verso 2 e 3
é aquele desejo humano de sumir quando tudo vai mal. Mas na verdade isso é uma
forma de não aceitação da providência divina.
Continuando sobre o
sofrimento humano ele pontua que até a bênção divina do trabalho é maculada
pelo pecado (v. 4-6). Primeiramente ele apresenta a competitividade proveniente
de uma base não sadia, a inveja; o desejo de ter o que outro tem, de ser o que
o outro é. A inveja gera aflição. A segunda forma deturpada de se vivencia a
relação com o trabalho que ele apresenta é a preguiça (v. 5). Ele exemplifica o
preguiçoso como alguém que não produz, que cruza os braços, que se consome a si
mesmo e ainda diz como desculpa: “Melhor é um punhado
de descanso do que ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás do vento” (v.
6). Perceba algo nesse versículo: a premissa é verdadeira, mas a conclusão é
falsa. Qual é a premissa? Contentamento, que é diferente de relaxamento.
Contentamento aponta para gratidão, não para conformismo. De fato é melhor ter
pouco, não se matar de trabalhar, e ter paz do que ser viciado em trabalho e
não ter tempo para lazer e família, vivendo em aflições. A conclusão do preguiçoso
sabendo que não deve estar viciado em trabalho é cruzar os braços. O ponto de
equilíbrio é viver em contentamento ao mesmo tempo em que vive em atividade.
O caminho para o
contentamento passa pela simplificação. O dicionário vai definir contentamento
como a experiência de estar alegre e não
desejar mais do que se tem. Entendamos esse desejo no sentido exacerbado.
Afinal ter centenas de canais de tv faz alguém mais feliz? Estar em cinco ou
seis redes sociais contribui em que para a felicidade? Os corpos esculpidos em
academia estarão sempre encantadores? Você pagaria mais de mil reais em uma
garrafa de vinho?
O descontentamento gera
inveja, angústia, ansiedade; é fonte de sofrimento. Neste ponto posso concordar
com Ricardo Gondim:
Se aceitamos o que é
sem idealizar o que está além, prosseguimos, passo a passo, na aventura de
viver. E sempre que a realidade é respeitada, estamos no espaço divino onde
habita o contente (GONDIM, 2014).
No v. 8 ele prossegue
mostrando a pessoa ambiciosa que não tem contentamento, alguém que sua alma
deseja tanto ter mais do que tem que se esquece das pessoas. Esquece de se relacionar
com as pessoas como pessoas. Não cria vínculos afetivos permanentes, vive
apenas para si, sem reflexão do sentido de sua vida. É uma pessoa em solidão,
vazia, tão pobre que tudo que tem é dinheiro. Diz o pregador que tudo isso é
vão, é enfado para a alma. Não deixa de ser mais um tipo de sofrimento porque
afinal essa insatisfação jamais gerará plenitude.
Todo esse contexto de
sofrimento apresentado pelo autor mostra a realidade humana sem Deus.
Depois de explanar as dores
desse mundo, ele mostra o que pode ser útil para enfrentar melhor as
dificuldades da vida.
II –
O pregador aconselha o que pode nos ajudar no sofrimento, v. 9-16.
a) Ter
companhia, 9-12.
Esses versículos são muito
conhecidos por serem usados como aplicação para o casamento. E pode ser usado
para ilustrar o relacionamento conjugal, embora o pregador esteja se referindo
ao relacionamento de amizade. Está aqui o valor da amizade como algo que
precisamos para vivenciarmos os momentos de turbulência da vida de forma mais
serena, com maior firmeza. O texto nos traz a vantagem de não está só, apresenta
quatro argumentos do por que é melhor serem dois do que um. Ele diz que não
viver em solidão nos traz o benefício da parceria, do suporte, do cuidado e da proteção.
A vantagem da parceria aqui
apresentada não é a soma de esforços separados para depois dividir o resultado
do trabalho. Mas é multiplicação. Dois juntos poderão produzir de forma mais
excelente do que um. É interessante que quando Moisés celebra a vitória que o
Senhor concedeu ao seu povo ele diz: “Como poderia um
só perseguir mil, e dois fazerem fugir dez mil, se a sua Rocha lhos não
vendera, e o Senhor lhos não entregara?” (Deuteronômio 32.30). Um só
persegue mil, mas dois não faz fugir dois mil, mas dez mil.
No v. 10 ele fala da
importância de suporte nas horas de fragilidade. Há momentos em que precisamos
da ajuda de outros, assim como há momentos que poderemos estar sendo ajudadores
para outros. É muito bom saber que você pode contar com alguém. Por isso o
apóstolo Paulo usou essas palavras: “Não tenha cada um
em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” (Filipenses
2.4).
No v. 11 ele fala de
cuidado, do benefício de estar próximo a alguém. É interessante porque podemos pensar
no frio como algo negativo, que pode matar; o calor como algo positivo, que
pode manter vivo. Necessitamos uns dos outros para nos mantermos aquecidos
espiritualmente.
E no v. 12 o pregador afirma
que estaremos muito mais protegidos se não estivermos sós. Juntos nós podemos
ser mais resistentes. Verdadeiros amigos defendem uns aos outros. Por isso na
igreja a recomendação paulina é para que nosso comportamento possa estar
favorecendo essas relações de amizade:
Não saia da vossa
boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação,
conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem. E não
entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção.
Longe de vós, toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e bem
assim toda malícia (Efésios 4.29-31).
A vida em comunidade na
igreja do Senhor deve estar sendo local de desenvolvimento de amizades que nos
fortalecem na caminhada cristã sobrecarregada de adversidades. A igreja deve
ser lugar de amigos verdadeiros. Vivenciamos desapontamentos, decepções, mas
ainda assim poucas coisas proporcionam tanta satisfação como a verdadeira amizade.
b) Ser
sábio, 13-16.
A sabedoria de uma vida
equilibrada anunciada pelo pregador está em não ambicionar o poder. Ele diz que
melhor é o jovem sábio do que o rei velho e insensato. Mesmo que aquele nasça
pobre ou mesmo esteja preso. O problema denunciado por ele é que o rei velho se
tornou arrogante, se apegou ao poder e não se permite reflexão, autocrítica,
não se deixa corrigir por ninguém. O poder, que lhe confere status, faz dele
insensato e revela a vileza de seu caráter. Foi Abraham Lincoln quem disse: “Quer conhecer o verdadeiro caráter
de uma pessoa, dê o poder a ela”.
Mas é interessante o autor
mostrar a vida humana em relação ao poder como algo tão passageiro. Quem está
no poder não estará para sempre, e quem assume o poder também um dia deixará de
possuí-lo. Viver então em busca do poder é algo tão tolo como correr atrás do
vento. São impressionantes as palavras de Jesus para os discípulos dizendo que
nossas vidas não podem ser assim, principalmente no relacionamento no contexto
da igreja:
[...] Sabeis que os
que são considerados governadores dos povos têm-nos sob seu domínio, e sobre
eles os seus maiorais exercem autoridade. Mas entre vós não é assim; pelo
contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós será esse o que vos sirva; e
quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos (Mc 10.42-44).
Conclusão
1. Os perseguidos e oprimidos encontrarão
consolo no Senhor. “Bem aventurados os que choram” (Mt 5.4). Apesar do
sofrimento deste mundo podemos ainda dizer: bem-aventurados os que esperam no
Senhor. Há promessa de paz para nós.
2. O que queres para tua vida? A tua relação com
o trabalho glorifica a Deus? Evite os extremos. Evite a preguiça, mas também
evite a busca desenfreada pelas coisas deste mundo, a ganância. Lembre-se que a
recomendação do evangelho é que o que deves buscar antes de tudo é o Reino de
Deus e sua justiça (Ver Mt 6.33).
3. Não se isole, não se afaste de seus
irmãos! As dificuldades em sua vida serão maiores se você não se permitir ser
ajudado. Lembre-se, é juntos que somos corpo de Cristo, juntos podemos ter
proteção mútua, quando um cair outro será instrumento de Deus para levantá-lo.
4. Qual tem sido a sua relação com o poder? Independentemente
de quem você seja em algum momento estará sendo tentado pelo poder. Mas
lembre-se, Jesus disse que veio para servir, e você nada mais é do que servo
dele, e assim deve ser imitador dele.
Referências
GONDIM,
Ricardo. Contentamento. Publicado em: http://www.ricardogondim.com.br/meditacoes/contentamento/.
Acesso em: 22 mai 2016.
STORMES,
Sam. Uma introdução a Eclesiastes. Publicado em: http://www.monergismo.com/textos/comentarios/eclesiastes_introducao_storms.htm.
Acesso em: 22 mai 2016.
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