Introdução
O
tempo é um dos dados da existência mais complexos de serem descritos. É algo
que nos condiciona no sentido de limitar-nos; favorece-nos, quando somos
pacientes em esperar, declara nossa finitude diante do fato irremediável que
somos seres-para-morte. Vivemos o tempo de nossas vidas, que logo se findará
nessa existência.
O
que é o tempo? Um dos maiores teólogos da história disse: "Se ninguém me
pergunta, eu sei o que é; mas se eu desejasse explicá-lo a alguém, simplesmente
não seria capaz” (Aurélio Agostinho, 354 – 430). Apesar da dificuldade de
definição poderíamos dizer que o tempo, à semelhança do espaço, é uma dimensão,
não é uma força.
Elucidação
O
que aqui está exposto nesse capítulo tem que ser entendido dentro do contexto
geral de Eclesiastes. Toda a existência humana, quando vivida longe de Deus, é
frustrante e insatisfatória. Todos os prazeres e coisas materiais da vida, quando
buscadas por causa delas mesmas, nada produzem a não ser a infelicidade e um
senso de futilidade. Esse é sentido da expressão “vaidades de vaidades” (Ec 1.2
e 3).
O
pregador está então a falar sobre algo que não está absolutamente sobre o
controle humano, pode haver a ilusão de controle, mas a é que não temos controle
sobre o tempo de nossas vidas. A grande tese desses versículos é que é o Senhor
que domina sobre tudo, sobre nossas vidas enquanto tempo vivido, sobre os
acontecimentos da vida. Ele diz no versículo primeiro que tudo (o conjunto das
coisas) tem o seu tempo determinado, ou seja, o Senhor tem um plano eterno para
todas as coisas, na natureza, na vida humana. E há um tempo determinado, tudo
faz parte de um imenso plano divino.
O
que o texto nos traz é a doutrina da providência divina. O Catecismo de Heidelberg
(séc. XVI) em sua pergunta 27 sobre o que é providência nos diz:
A
providência de Deus é o Seu onipotente e onipresente poder,1 por meio do qual,
com as Sua mãos, Ele sustenta continuamente o céu e a terra e todas as
criaturas,2 governando-os de tal modo que ervas e plantas, chuva e seca,
abundância e escassez, comida e bebida, saúde e doença, riqueza e pobreza,3
todas as coisas na verdade, não nos vêm por acaso4 mas procedem da Sua mão
paternal.5
1. Jr 23.23, 24; At
17.24-28. 2. Hb 1.3 3. Jr 5.24; At 14.15-17; Jo 9.3; Pv 22.2. 4. Pv 16.33. 5. Mt
10.29.
Então
queremos nesta perspectiva trabalharmos esse texto sob três tópicos: 1. Deus
governa todos os eventos debaixo do sol, v.1-8; 2. Deus distribui aos homens
seu tempo, atividades e atribuições, v. 9-13; e 3. O que Deus determinou é
imutável, v.14-15.
I – Deus Governa Todos os Eventos
Debaixo do Céu, V. 1-8.
Chamo
a atenção para o versículo 1, pois é a expressão “tempo determinado” é muito
relevante. O sentido literal não é de oportuno na perspectiva da conveniência
humana, mas de pré-estabelecido por Deus. A mesma expressão hebraica está em
outras porções bíblicas nesse sentido de um tempo marcado para que algo
aconteça (Ed 10.14).
Nos
versículos 2 a 8 o pregador mostra de forma particular o que ele acabou de
falar de forma geral. Não há necessidade nesse momento de discorrermos
detalhadamente sobre cada detalhe dos versículos. O que precisamos guardar é
que o texto nos fala de acontecimentos que não estão em nosso controle. Não
escolhemos quando nascer, assim como não escolhemos quando iremos morrer. Todos
os nossos dias estão determinados pelo Senhor. Diz o Salmo 119.16: “[...] no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles
escrito e determinado, quando nenhum deles havia ainda”.
Tudo
está sob a providência divina. Sejam as coisas mais extraordinárias da história
humana, das sociedades humanas, como estabelecimento de governos, as guerras
(v.3 “tempo de matar”), a paz entre as nações (v.8) até as questões
individuais; como as alegrias de cada um, as tristezas de cada um (v.4); o
casamento e a separação do casamento. Moody afirma que a expressão “espalhar
pedras e ajuntar pedras” é uma metáfora hebraica que aplica ao casamento. Ele
também afirma acerca do v. 7 que: “Tempo de rasgar. Isto é uma referência à
prática de se rasgar roupas em sinal de aflição (veja Gn. 37:29; Jó 1:20). O
tempo de coser é quando a tristeza já foi aquietada”. O Deus que determinou o
momento da aflição também determinou que ela sessará.
Assim
sendo meus irmãos, não há sorte para nós, não há azar, não há acaso; toda nossa
vida está sob a providência divina. Não somos folhas jogadas ao vento, embora
não saibamos o que virá amanhã, sabemos que podemos descansar na sabedoria
divina.
Também
ao refletirmos sobre a providência entendemos que tudo é por Deus e para Deus,
e a Ele então damos a glória!
Mas
vejamos também que o pregador nos mostra que tudo o que nos sobrevém, é da
parte do Senhor para nossa vidas.
II - Deus Distribui aos Homens Seu Tempo,
Atividades e Atribuições, v. 9-12.
Agora
o pregador faz uma pergunta bastante justificável no v. 9. Poderíamos colocar
dessa forma: se Deus determina todas as coisas em sua providência, que proveito
temos nós naquilo que fazemos? É uma pergunta prática, quer saber do aqui e do
agora.
Na
experiência pessoal do pregador ele observou muitas pessoas insatisfeitas com o
que realiza, “o trabalho que impôs aos filhos dos homens”. De onde vem essa
insatisfação? O ser humano é um ser de desejo, de sonhos, de ambições. Contudo,
as limitações de nossas condições existenciais atestam a realidade que nem tudo
o que desejamos alcançaremos, nem tudo que sonhamos concretizaremos. Temos
nossas limitações: intelectuais, físicas, materiais. Daí vem a aflição, da
constatação que não somos o que gostaríamos de ser, que talvez não tenhamos o
que gostaríamos de ter. Podemos olhar para o passado e sentir-nos tristes,
olhar para o presente e sentir-nos decepcionados conosco mesmos, olhar para o
futuro e sentir-nos sem expectativa.
Ou
então podemos aceitar o que é dito no v. 11. “Tudo fez
Deus formoso”, não tem apenas o sentido estético. Mas lembra Gênesis
quando o Senhor conclui a criação e é dito: “Viu Deus
tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31). Tudo Deus fez e
faz de modo belo, perfeito, bom no devido tempo. Ao aceitarmos isso estamos nos
submetendo à soberania divina. Significa aceitar que só seremos nesta vida o
que ele determinou que seremos, só teremos nesta vida o que ele determinou que
teremos.
Não
se trata de fatalismo filosófico, isto é, achar que nada poderia ser diferente
por causa de leis desconhecidas dos ser humano, mas que o condiciona. Nem é
conformismo, que é desculpa para o preguiçoso. Trata-se da doutrina bíblica do
cuidado divino em nossas vidas pela sua maravilhosa providência.
Voltando
ao Catecismo de Heidelberg, a pergunta 28 diz:
“Que
benefício há em sabermos que Deus criou todas as coisas e que continuamente as
sustenta pela Sua providência?
Podemos
ser pacientes na adversidade,1 agradecidos na prosperidade2 e podemos, quanto
ao futuro, confiar firmemente em nosso Deus e Pai fiel, porque criatura alguma
poderá nos separar do Seu amor;3 pois todas elas estão de tal modo em Sua mão
que sem a Sua vontade, elas não podem nem mesmo se mover”.4
1. Jó 1.21, 22; Sl 39.10; Tg 1.3 2. Dt 8.10; 1Ts 5.18.
3. Sl 55.22; Rm 5.3-5; 8.38, 39. 4. Jó 1.12; 2.6; Pv 21.1; At 17.24-28.
Então,
como diz o v. 11: “também pôs a eternidade no coração
do homem”. O homem finito e limitado no tempo almeja eternidade. Somos
seres finitos com desejo pelo infinito. Mas esse desejo deve nos levar à
reflexão de nosso tempo finito. Olhemos para o passado em gratidão pelo o que
Ele já fez por nós, para o presente buscando entender sua providência em nossas
vidas, buscando está em conformidade com sua vontade, e para o futuro,
aguardando o Senhor em santa expectativa de sua vinda. Em tudo isso o passado fica onde está, o
futuro ainda não é, mas o presente, busque vive-lo da melhor forma, desfrutando
a dádivas divinas (v.12 e 13).
E
não esquecer que o senhor do tempo é imutável, logo, o que ele determinou não
voltará atrás.
III - O que Deus Determinou é Imutável,
v.14-15.
O
pregador retoma o plano eterno de Deus, e dá a resposta da incapacidade humana
diante desse plano. “Tudo quanto Deus fez durará
eternamente” (v. 14). O Senhor do tempo é aquele que não muda seus
propósitos, é aquele que sustenta soberanamente o que determinou. Seu plano não
muda porque seu caráter não muda, porque Ele é perfeito e tudo faz de forma
perfeita. Ainda que seja incompreensível ao homem. O pregador mesmo diz: “nada se lhe pode acrescentar e nada se lhe pode tirar”
(v.14). Somos incapazes diante do plano divino, não podemos mudá-lo, cabe a nós
aceita-lo de forma grata. Ele mesmo diz em Isaías 43.13: “Ainda antes que houvesse dia, eu era; e nenhum há que possa
livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá”? E ainda: "Deus não é homem para que minta, nem filho de homem
para que se arrependa. Porventura, tendo ele prometido não o fará? Ou, tendo
ele falado, não o cumprirá" (Nm 23:19); “O
conselho do SENHOR dura para sempre; os desígnios do seu coração, por todas as
gerações" (Sl 33:11)
Diante
disso a reação mais sábia, e mais inteligente é aceitar a soberania divina e
temer ao Senhor. A palavra diz que “o temor do SENHOR é
o princípio da sabedoria” (Pv 9.10).
O
temor do Senhor não é medo que provoca desejo de distanciar-se no sentido de
pavor. O temor aqui referido é reverência, é reconhecimento de sua providência,
é honrá-lo em sua majestosa glória, é saber que a Ele prestaremos contas de
nossas vidas, e ter medo, portanto, de nossas obras serem consideradas como
obras de injustos e perversos. Afinal o senhor do tempo chamará a julgamento
como nos diz o v. 17.
Conclusão
1.
Sabedores que não é de nosso conhecimento o que o Senhor determinou que ocorra
em nossas vidas em nosso futuro próximo ou distante no que tange à nossa
existência neste mundo te digo que aproveite o tempo presente. Deixe o passado
onde está, invariavelmente você o reinterpretará à luz dos novos conhecimentos
adquiridos, das experiência da vida, mas deixe as mágoas do passado no passado.
Deixe os pecados do passado no passado. Planeje sua vida no futuro, mas sem
esquecer que você depende do Senhor e é muito melhor buscar sua orientação para
tudo o que pretendemos fazer. Mas não viva apenas de expectativas, de
ansiedades, você não tem controle sobre o tempo, as coisas acontecerão somente
dentro do propósito divino. Aproveite, portanto, o agora, é no agora que você
pode servir ao Senhor, é no hoje que você pode amar mais intensamente, etc.
2.
Sendo o tema central desse texto a providência divina. Quero que você tenha um
novo olhar a partir de agora para os sonhos não realizados, para suas
frustrações, para suas vitórias, para suas conquistas, para os momentos tristes
e para os momentos alegres; em todos esses momentos o Deus da providência e
senhor do tempo estava com você. Havendo essa compreensão da providência divina
há segurança em nossa alma de que nada ocorre por acaso. Sendo assim, sejam
quais forem as circunstâncias a Ele daremos glória.
3. O
tempo aqui descrito tem correlação com a história da redenção. Diz a Palavra: “vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho,
nascido de uma mulher, nascido sob a Lei” (Gl 4.4). Isso significa que o
próprio senhor do tempo na pessoa de Seu Filho irrompe diretamente na história
da humanidade. Seu plano eterno na perspectiva da nossa existência chega a uma
nova etapa, o que a Bíblia chama de os "últimos dias". Importa a nós
a graça da compreensão da providência divina, que vivemos Cristo na história de
nossas vidas, cabe a nós atentar para a exortação do Senhor: “[...] exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama
Hoje, a fim que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado” (Hb
3.13). Assim, cada dia que o Senhor do tempo nos concede, cada momento que
chegamos em adoração à sua presença é uma oportunidade para o autoexame e para
o arrependimento. “Hoje se ouvirdes a sua voz, não
endureçais o vosso coração [...]” (Hb 3.7, 8; Sl 97.7, 8).
4. O
Senhor do tempo também nos exorta em sua Palavra para que estejamos atentos
para os sinais da volta de Cristo. Certa vez ele reprendeu os fariseus e
saduceus por não saberem interpretar sua época e entenderem que o Messias havia
chegado. O senhor do tempo não apenas estabeleceu o tempo vinda de Cristo, mas
também de sua volta escatológica, cabe a nós vivermos essa expectativa sabendo
que ele breve voltará. Quando isso ocorrerá, só ele sabe, a nós ele nos diz: “Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou
pela sua exclusiva autoridade” (At 1.7).
Caminhamos
para esse maravilhoso dia meus irmãos! Por isso Paulo exorta Timóteo em 1 Tm
6.13-16.
5. É
maravilhoso sabermos que o senhor do tempo nos conforta sobre o fim de nossas
aflições: “Porque para mim tenho por certo que os
sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser
revelada em nós” (Rm 8.18). E Apocalipse 21.10 nos diz que ele enxugará
dos nossos olhos toda a lágrima, pode ser que no momento seja tempo de chorar,
mas o tempo de sorrir será eterno.
Ao
Senhor do tempo toda honra, toda glória, todo louvor!
0 Comentários