A difícil prática do perdão


Texto: Mateus 6.14-15


Introdução

           Sem dúvida esse é um dos temas mais importantes para a vida cristã. Tão importante que Jesus faz referência a ele no momento que ensina sobre oração, fazendo conexão do perdão em nossos relacionamentos com o perdão concedido pelo Senhor aos seus filhos. Embora não seja um tema teologicamente difícil temos às vezes algumas dúvidas práticas sobre este assunto.
           Iniciemos definindo o que é perdão. Podemos dizer que é um indulto gratuito ou remissão de qualquer ofensa ou dívida que nos leva a desistir de toda reivindicação.


I – O perdão é uma ordem divina, Mt. 6.14-15.

a) A importância do perdão.

           O perdão nos relacionamentos humanos é algo tão importante na vida cristã que Jesus o liga diretamente ao perdão que recebemos do Senhor. Evidentemente que a exigência divina para o perdão de nossos pecados é a confissão. Contudo, o texto nos faz perceber que quem de fato não perdoe seus ofensores não está pondo o reino de Deus em primeiro lugar, não está tendo um olhar introspectivo que enxerga seus pecados, não está reconhecendo seus pecados, está colocando-se em posição de superioridade em relação ao outro. Desse modo, como pois, poderia ter o perdão do Senhor. Esse tema do perdão fala então da essência do que é ser cristão.
           Lembremos de Colossenses 3:12-13: “Revesti-vos pois, como eleitos de Deus, santos, e amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade; Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se algum tiver queixa contra outro: assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também”.

b) Devemos perdoar porque fomos por Ele perdoados, Mateus 18:23-35.

           O texto anula qualquer pretensão humana de argumentar a possibIlidade da não liberação do perdão. A obrigação se deve por conta de nosso relacionamento com o Senhor. Fomos perdoados por ele, portanto é inaceitável que também não perdoemos nossos ofensores.

II – A extensão do perdão, Mateus 18:21-22.
a) A dificuldade de pôr em prática.
           Normalmente nossa tolerância para o erro alheio é bastante limitada, admitimos que as pessoas falhem conosco uma ou duas vezes quando muito. No entanto, a recomendação bíblica é que tenhamos um coração perdoador que encontre barreiras de limitação quantitativa. Mas aqui podemos estender nossa reflexão no sentido de que não devemos também ter barreiras qualitativas, ou seja, independentemente da gravidade da ofensa recebida nosso dever é de perdoar.

           Temos tanta dificuldade em perdoar porque o amor que depositamos nos outros é por demais limitado. Se estamos vivendo a plenitude do amor de Cristo, se estamos de fato amando nosso próximo estaremos vivendo a prática do perdão. É por isso que Pedro recomenda: “Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados” (1 Pe 4.8).


b) Perdoar até os inimigos.
Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem.” (Mt. 5,43-44)
           Aqui se encontra o aspecto mais difícil do perdão, mas é aqui o diferencial do evangelho. O evangelho é mensagem da graça de Deus, o perdão então deve ser gratuito, não deve ser ponderado o merecimento do outro para a liberação do perdão.

III – A essência do perdão.
           Há aqueles que querem afirmar que o perdão é apenas um ato de decisão, que não diz a respeito de sentimento. Outros quererão apenas enfatizar o lado sentimental do perdão. A verdade é que não dar para separar esses dois aspectos do perdão. Como seres complexos que somos os dois elementos estarão presentes, afinal somos seres de razão e de emoção.
           Poderíamos afirmar que há uma conexão do humano com o divino no verdadeiro ato do perdão. Deus quer ver em nós a vontade de perdoar, elemento humano, a responsabilidade humana não pode ser minimizada. Ninguém pode querer se autodesculpar dizendo que só Deus pode fazer com que haja perdão como um mecanismo de defesa para não se comprometer com o dever do perdão. O elemento divino está em Ele trabalho em nossos corações: restaurando a alma, curando as emoções feridas, libertando a pessoa da amargura...

IV – O lado de quem pede perdão, o que é exigido.
a) Primeiramente, perdoar-se.
           Uma vez que fomos perdoados pelo Senhor é incoerente e antibíblico sermos tão severos conosco ao ponto de não conseguir nos perdoar. Não pode haver equilíbrio emocional sem o autoperdão, e só poderemos estar sendo misericordiosos com os outros se conseguimos não sermos tão rigorosos conosco. Temos que entender que somos pecadores, iremos errar, mas não precisamos ficar com esse peso excessivo sobre nós.
           Gostaria aqui de citar uma poesia:
Quero perdoar-me,
Por buscar a estrela inacessível, por ser frágil,
por me envergonhar da minha dor,
me culpar da minha desdida,
desejar uma perfeição inalcançável,
me ter tornado cúmplice do meu perseguidor,
ter prescindindo do meu coração,
ter ruminado acusações que me feriam,
não ter sido capaz de me prevenir,
por me odiar sem compaixão,
por me sentir incapaz de perdoar os outros.
Em suma, quero perdoar-me por ser humano

b) Pedir perdão, como e quando.
           Aqui gostaria de esclarecer um mal-entendido que surgiu no meio cristão por duas razões. A primeira delas é a falta de instrução bíblica adequada e a segunda é um coração disponível ao perdão (aqui então está um erro, se pode se falar assim, por excesso). Trata-se de que você não está biblicamente obrigado a pedir perdão quando é o lado ofendido na questão. Se quiser agir desse modo tudo bem, mas não há uma obrigação ética.
a) Ninguém é perfeito, errar é humano – É justamente porque somos imperfeitos é que precisamos pedir perdão.
b) A ofensa foi tão pequena – Os grandes problemas conjugais são formados de pequenos problemas não resolvidos. São as rapozinhas que devastam a vinha.
c) Aconteceu há tanto tempo – O tempo não cura memórias amargas – Esaú e Jacó – depois de 20 anos a consciência de Jacó ainda estava pesada.
d) A outra pessoa estava mais errada do que eu – O perdão concentra-se no nosso erro e não no erro do outro.
e) Eu estava errado, mas você também estava – O mais provável é que vez de curar a relação, ela fique ainda mais ferida.
f) A pessoa não vai me entender – Vai sim, se você for com a atitude correta e com as palavras certas. A palavra branda desvia o furor.
g) Envolve dinheiro que eu não tenho – Perdão envolve restituição (Zaqueu).
h) A pessoa envolvida já mudou – Telefone, escreva, visite.
i) Vou deixar para depois – A procrastinação adoece ainda mais a relação.
j) Nunca mais farei isto: basta a minha disposição – Isso é meio arrependimento: O que encobre as suas transgressões jamais prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia.
(Hernandes Dias Lopes)
            Ao pedi perdão apenas reconheça seu erro, não busque justificativas.

Conclusão
Romanos 12:14-18:
Abençoai aos que vos perseguem, abençoai, e não amaldiçoeis.
Alegrai-vos com os que se alegram; e chorai com os que choram;
Sede unânimes entre vós; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes; não sejais sábios em vós mesmos;
A ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas, perante todos os homens.
Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens.




¹ OCANÃ, Emma Martínez. A sabedoria de perdoar e perdoar-se. Fundação Betânia, 2007.

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