Introdução
É necessário que inicialmente façamos
duas observações: a primeira é acerca do ato estranho de Deus exigir o
sacrifício do filho de Abrão. E a segunda é a definição de providência divina.
No contexto histórico-cultural que
Abraão vivia o sacrifício de crianças era algo por assim dizer bastante comum.
Era uma prática predominante nas nações pagãs para aplacar a ira dos deuses,
como no caso de estarem diante de uma grande seca por exemplo. Era, portanto,
considerado não um assassinato, mas uma morte visando ao bem do estado. Alguns
comentaristas querem inclusive afirmar que por Abraão estar naquele momento em
terra dos filisteus (21.24), e a forma como a história se desenrolou, era portanto,
um modo de ele afirmar estar contra aquele contexto cultural de sacrifício
humano. No entanto é mais coerente entender o texto como uma provação de sua
fé. De qualquer modo Deus se utiliza daquele contexto cultural para ensinar uma
grande lição a Abraão acerca de Sua providência.
Quanto à providência divina Berkhof
define como: “O permanente exercício da
energia divina, pelo qual o Criador preserva todas as Suas criaturas, opera em
tudo que se passa no mundo e dirige todas as coisas para o seu determinado
fim”. Isto significa de modo prática que ele preserva a sua criação,
direciona o curso da história e a vida de suas criaturas para o fim por ele
determinado e, portanto, governa soberanamente sobre tudo e sobre todos. Ou
seja, tudo que Ele determinou leva a efeito soberanamente. Como nos diz
Filipenses 2.13 - "Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar,
segundo a sua boa vontade". Portanto sua providência tem uma
aplicação prática para o nosso cotidiano. E é o que vemos na vida de Abraão,
conforme o nosso texto em questão.
Elucidação
Este texto nos mostra o momento mais
difícil da vida de Abrão, a maior prova de sua fé pela qual ele teve de passar.
Esta é uma obra literária de grande maestria. A maneira de o autor levar o
leitor, aos poucos, até o ponto culminante, é realmente formidável. A narração,
sem usar de muitas palavras, faz transparecer de forma sutil a tensão psíquica
entre o pai, Abraão, e o filho, Isaque (Weigand, 1981).
Abraão não precisou sacrificar seu
único filho, Deus em sua providência fez surgir um carneiro que haveria de ser
sacrificado. Mas vejamos o que antecedeu esta providência maravilhosa.
I – A PROVIDÊNCIA DE DEUS FOI PRECEDIDA
DE GRANDES EXIGÊNCIAS, V. 1-3.
Ao observarmos a vida de Abraão
vamos perceber que as exigências divinas para ele sempre foram muito severas,
difíceis de serem postas em prática. No cap. 12 Deus convoca-o a sair do meio
de sua parentela e a peregrinar até uma terra à qual ele ainda não conhecia.
Deus não especifica em detalhes como agiria para cumprir a promessa que lhe
fora feita de que faria dele uma grande nação. Por mais difícil que fosse tal
situação relatada no cap. 12 não se compara ao que o Senhor exige aqui no cap.
22. Interessante que são usados os exatos termos do cap. 12:1 “que te mostrarei”.
No cap. 12 Abrão teria de confiar no Senhor para sua futura peregrinação, Deus
não revela antecipadamente o local de sua futura habitação. E aqui no cap. 22 o
Senhor lhe diz que ele deve ir à terra de Moriá, mas somente depois lhe
mostrará para qual monte especificamente.
O que isto implica a nós? A obediência ao Senhor deve ser cumprida sem
que tenhamos a petulância de requerer explicações da parte do Senhor.
Deus exige que Abraão ofereça o seu
único filho, aquele de quem o próprio YAHVÉ afirmou descenderia uma grande
nação. O filho de sua velhice, da mulher que ele amava, de sua esposa legítima.
Tinha também Ismael, filho de Agar, mas este não era o herdeiro das promessas.
Abraão poderia ter parado e perguntado: esta exigência está sendo razoável? O
Senhor não está se contradizendo? Ele estava sendo provado, e o que lhe ajudou
a passar por tal circunstância foi continuar crendo na sabedoria divina e
soberania divina, isto é, o Senhor sabe o que faz e tem o direito absoluto de
exigir aquilo que lhe apraz.
O que possibilitou Abraão a cumprir
uma exigência tão elevada? Lembremos que Abraão é oriundo de Ur, uma cidade dos
caldeus e que, portanto, uma cidade idólatra. No entanto, ouvindo a voz de Deus
e saindo do meio de sua parentela idólatra ele agora conhece o deus a quem
serve. No cap. 21 v. 33 é dito que ele erigiu um altar ao SENHOR DEUS ETERNO. Eterno traz o sentido que não tem princípio
nem fim. Abraão sabia quem era o Deus a quem servia. Obedecemos a Deus
contrariando as circunstâncias, a lógica e as perspectivas humanas se temos
plena consciência do Deus a quem servimos. O
conhecimento de Deus, conforme revelado em Sua Palavra nos fortalece em meio às
provações.
Mas vejamos então como Abraão
vivenciou aquele momento tão crucial da sua vida que foi aquela jornada até
chegar ao monte.
II – A PROVIDÊNCIA DIVINA FOI PRECEDIDA
DE FÉ POR PARTE DE ABRAÃO, 4-10.
Por uma rápida leitura do texto não há
como sabermos tudo o que se passou na mente de Abraão, seus sentimentos
conflitantes. Não foi uma jornada fácil. O texto nos mostra um Abraão decidido,
confiante. No entanto estamos falando de um ser humano. Quantas vezes ele deve
pode ter parado, ter chorado, ter se perguntado qual seria o plano divino em
tudo aquilo. Ao mesmo tempo, por mais que pareça contraditório ele estava
confiante que o Senhor na providência o livraria de chegar ao extremo de
sacrificar o seu filho.
No v. 5 ele afirma a seus servos que
voltaria do monte com seu filho. Em Hb 11.17-19 é dito que ele cria que o
senhor poderia ressuscitar seu filho dos mortos:
“Pela fé ofereceu
Abraão a Isaque, quando foi provado; sim, aquele que recebera as promessas
ofereceu o seu unigênito.
Sendo-lhe dito: Em Isaque será
chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dentre os
mortos o ressuscitar;
E daí também em figura ele o
recobrou”.
No v. 8 ele responde à pergunta do
seu filho pelo cordeiro dizendo que o Senhor proverá para si o cordeiro. O
sentido da expressão no original é que o Senhor verá com antecedência a
necessidade de seu servo e providenciará a satisfação dessa necessidade.
O
Senhor não te abandona em meio às provações, mas providencia o que é necessário
para que você passe por ela da melhor forma possível.
Além disto, nós percebemos algo
muito importante quanto à providência divina.
III – A PROVIDÊNCIA DIVINA OCORREU NO
MOMENTO CERTO, V. 11-14.
Somente no último momento, quando
Abraão estava prestes a sacrificar seu filho é que o Anjo do Senhor fala a
Abraão. Na providência divina é concedido o elemento para o sacrifício. A prova
de Abraão chegou ao ponto culminante. No v. 12 é dito algo muito interessante
no texto: “Pois
agora sei que temes a Deus”. Não se refere aqui a qualquer limitação
do conhecimento em Deus, mas a própria provação de Abraão era justamente para
que o próprio Abraão estivesse entendendo até que ponto ele deveria ir no seu
temor ao Senhor. Temor a Deus não é medo, mas submissão reverente e piedosa,
com coração voluntário e espírito grato. É uma obediência por amor e reverência
à Sua Santidade e Soberania.
Vemos ainda no texto a ratificação da
promessa anteriormente feita a Abraão.
IV – O RESULTADO DA CONFIANÇA DA
PROVIDÊNCIA DIVINA, 16 -19.
Nestes versículos é ratificada a
promessa de que ele seria pai de uma grande nação. Todas as nações da terra
serão benditas em sua descendência. O cumprimento destas promessas
concretizam-se espiritualmente na pessoal do nosso Senhor Jesus Cristo. Em Ap.
5.9-10 está escrito:
“E cantavam um novo cântico,
dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste
morto, e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda a tribo, e língua,
e povo, e nação;
E para o nosso Deus os fizeste
reis e sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra”.
Aliás, todo o texto de Gn 22 aponta
para a obra de Cristo. Há uma jornada de fé e há um sacrifício substitutivo.
Desse modo podemos fazer as
seguintes aplicações práticas para nossas vidas baseadas neste texto.
Aplicação
1.
Um dos problemas práticos de vivenciarmos a provação em nossas vidas é que nem
sempre sabemos se estamos sendo provados. É fácil percebermos a provação se ela
vem por meio de uma escassêz, de uma limitação, de uma circunstância
desfavorável a nós. No entanto, também poderemos estar sendo provados na
abundância. A grande questão na provação é confiar ou não na providência divina
e muitos de nós acabamos em certos momentos confiando em nossos próprios
recursos, como fez Abrão quando tomou por mulher sua criada Agar.
2.
Quando lemos que Abraão creu em Deus e isso lhe foi imputado por justiça
esquecemos que em dado momento teve medo de revelar aos egípcios que Sarai era
sua mulher, mentiu por não confiar no Senhor. Também antecipou-se ao
cumprimento da promessa divina tomando Agar como mulher. Abraão na era perfeito. Sua fé no Senhor passou por processo em toda
sua vida de desenvolvimento à medida que vivenciava experiências com Deus em
sua história de vida. Assim aconteceu com Abraão, fica a você o desafio de amadurecer
na fé de acordo com as experiências com Deus que você tem vivido.
3.
Que haja temor de Deus em sua vida. Como afirma o Sl 25.14: “A intimidade do
SENHOR é para os que os temem, aos quais ele dará a conhecer a sua aliança”.
Conclusão
Naquela época muitos lugares eram
nomeados de acordo com acontecimentos importantes na vida de personagens de
grande relevância histórica como foi o caso de Abraão e o Monte Moriá. E ficava
permanentemente na memória do povo. Moriá em hebraico significa ordenado/considerado
por Deus. Que você possa cumprir com as ordenanças divinas para sua vida e crer
que o mesmo Deus que exige de você também te capacitará à obediência.
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