Gênesis 22.1-19 - A PROVIDÊNCIA DE DEUS NA VIDA DE ABRAÃO



Introdução

          É necessário que inicialmente façamos duas observações: a primeira é acerca do ato estranho de Deus exigir o sacrifício do filho de Abrão. E a segunda é a definição de providência divina.
           No contexto histórico-cultural que Abraão vivia o sacrifício de crianças era algo por assim dizer bastante comum. Era uma prática predominante nas nações pagãs para aplacar a ira dos deuses, como no caso de estarem diante de uma grande seca por exemplo. Era, portanto, considerado não um assassinato, mas uma morte visando ao bem do estado. Alguns comentaristas querem inclusive afirmar que por Abraão estar naquele momento em terra dos filisteus (21.24), e a forma como a história se desenrolou, era portanto, um modo de ele afirmar estar contra aquele contexto cultural de sacrifício humano. No entanto é mais coerente entender o texto como uma provação de sua fé. De qualquer modo Deus se utiliza daquele contexto cultural para ensinar uma grande lição a Abraão acerca de Sua providência.
           Quanto à providência divina Berkhof define como: “O permanente exercício da energia divina, pelo qual o Criador preserva todas as Suas criaturas, opera em tudo que se passa no mundo e dirige todas as coisas para o seu determinado fim”. Isto significa de modo prática que ele preserva a sua criação, direciona o curso da história e a vida de suas criaturas para o fim por ele determinado e, portanto, governa soberanamente sobre tudo e sobre todos. Ou seja, tudo que Ele determinou leva a efeito soberanamente. Como nos diz Filipenses 2.13 - "Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade". Portanto sua providência tem uma aplicação prática para o nosso cotidiano. E é o que vemos na vida de Abraão, conforme o nosso texto em questão.


Elucidação

           Este texto nos mostra o momento mais difícil da vida de Abrão, a maior prova de sua fé pela qual ele teve de passar. Esta é uma obra literária de grande maestria. A maneira de o autor levar o leitor, aos poucos, até o ponto culminante, é realmente formidável. A narração, sem usar de muitas palavras, faz transparecer de forma sutil a tensão psíquica entre o pai, Abraão, e o filho, Isaque (Weigand, 1981).
           Abraão não precisou sacrificar seu único filho, Deus em sua providência fez surgir um carneiro que haveria de ser sacrificado. Mas vejamos o que antecedeu esta providência maravilhosa.




I – A PROVIDÊNCIA DE DEUS FOI PRECEDIDA DE GRANDES EXIGÊNCIAS, V. 1-3.

           Ao observarmos a vida de Abraão vamos perceber que as exigências divinas para ele sempre foram muito severas, difíceis de serem postas em prática. No cap. 12 Deus convoca-o a sair do meio de sua parentela e a peregrinar até uma terra à qual ele ainda não conhecia. Deus não especifica em detalhes como agiria para cumprir a promessa que lhe fora feita de que faria dele uma grande nação. Por mais difícil que fosse tal situação relatada no cap. 12 não se compara ao que o Senhor exige aqui no cap. 22. Interessante que são usados os exatos termos do cap. 12:1 “que te mostrarei”. No cap. 12 Abrão teria de confiar no Senhor para sua futura peregrinação, Deus não revela antecipadamente o local de sua futura habitação. E aqui no cap. 22 o Senhor lhe diz que ele deve ir à terra de Moriá, mas somente depois lhe mostrará para qual monte especificamente.  O que isto implica a nós? A obediência ao Senhor deve ser cumprida sem que tenhamos a petulância de requerer explicações da parte do Senhor.
           Deus exige que Abraão ofereça o seu único filho, aquele de quem o próprio YAHVÉ afirmou descenderia uma grande nação. O filho de sua velhice, da mulher que ele amava, de sua esposa legítima. Tinha também Ismael, filho de Agar, mas este não era o herdeiro das promessas. Abraão poderia ter parado e perguntado: esta exigência está sendo razoável? O Senhor não está se contradizendo? Ele estava sendo provado, e o que lhe ajudou a passar por tal circunstância foi continuar crendo na sabedoria divina e soberania divina, isto é, o Senhor sabe o que faz e tem o direito absoluto de exigir aquilo que lhe apraz.
           O que possibilitou Abraão a cumprir uma exigência tão elevada? Lembremos que Abraão é oriundo de Ur, uma cidade dos caldeus e que, portanto, uma cidade idólatra. No entanto, ouvindo a voz de Deus e saindo do meio de sua parentela idólatra ele agora conhece o deus a quem serve. No cap. 21 v. 33 é dito que ele erigiu um altar ao SENHOR DEUS ETERNO.  Eterno traz o sentido que não tem princípio nem fim. Abraão sabia quem era o Deus a quem servia. Obedecemos a Deus contrariando as circunstâncias, a lógica e as perspectivas humanas se temos plena consciência do Deus a quem servimos. O conhecimento de Deus, conforme revelado em Sua Palavra nos fortalece em meio às provações.
           Mas vejamos então como Abraão vivenciou aquele momento tão crucial da sua vida que foi aquela jornada até chegar ao monte.


II – A PROVIDÊNCIA DIVINA FOI PRECEDIDA DE FÉ POR PARTE DE ABRAÃO, 4-10.

           Por uma rápida leitura do texto não há como sabermos tudo o que se passou na mente de Abraão, seus sentimentos conflitantes. Não foi uma jornada fácil. O texto nos mostra um Abraão decidido, confiante. No entanto estamos falando de um ser humano. Quantas vezes ele deve pode ter parado, ter chorado, ter se perguntado qual seria o plano divino em tudo aquilo. Ao mesmo tempo, por mais que pareça contraditório ele estava confiante que o Senhor na providência o livraria de chegar ao extremo de sacrificar o seu filho.
           No v. 5 ele afirma a seus servos que voltaria do monte com seu filho. Em Hb 11.17-19 é dito que ele cria que o senhor poderia ressuscitar seu filho dos mortos:
Pela fé ofereceu Abraão a Isaque, quando foi provado; sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigênito.
Sendo-lhe dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dentre os mortos o ressuscitar;
E daí também em figura ele o recobrou”.
           No v. 8 ele responde à pergunta do seu filho pelo cordeiro dizendo que o Senhor proverá para si o cordeiro. O sentido da expressão no original é que o Senhor verá com antecedência a necessidade de seu servo e providenciará a satisfação dessa necessidade.
           O Senhor não te abandona em meio às provações, mas providencia o que é necessário para que você passe por ela da melhor forma possível.
           Além disto, nós percebemos algo muito importante quanto à providência divina.


III – A PROVIDÊNCIA DIVINA OCORREU NO MOMENTO CERTO, V. 11-14.

           Somente no último momento, quando Abraão estava prestes a sacrificar seu filho é que o Anjo do Senhor fala a Abraão. Na providência divina é concedido o elemento para o sacrifício. A prova de Abraão chegou ao ponto culminante. No v. 12 é dito algo muito interessante no texto: “Pois agora sei que temes a Deus”. Não se refere aqui a qualquer limitação do conhecimento em Deus, mas a própria provação de Abraão era justamente para que o próprio Abraão estivesse entendendo até que ponto ele deveria ir no seu temor ao Senhor. Temor a Deus não é medo, mas submissão reverente e piedosa, com coração voluntário e espírito grato. É uma obediência por amor e reverência à Sua Santidade e Soberania.
           Vemos ainda no texto a ratificação da promessa anteriormente feita a Abraão.


IV – O RESULTADO DA CONFIANÇA DA PROVIDÊNCIA DIVINA, 16 -19.

           Nestes versículos é ratificada a promessa de que ele seria pai de uma grande nação. Todas as nações da terra serão benditas em sua descendência. O cumprimento destas promessas concretizam-se espiritualmente na pessoal do nosso Senhor Jesus Cristo. Em Ap. 5.9-10 está escrito:
“E cantavam um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda a tribo, e língua, e povo, e nação;
E para o nosso Deus os fizeste reis e sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra”.
           Aliás, todo o texto de Gn 22 aponta para a obra de Cristo. Há uma jornada de fé e há um sacrifício substitutivo.
           Desse modo podemos fazer as seguintes aplicações práticas para nossas vidas baseadas neste texto.


Aplicação

1. Um dos problemas práticos de vivenciarmos a provação em nossas vidas é que nem sempre sabemos se estamos sendo provados. É fácil percebermos a provação se ela vem por meio de uma escassêz, de uma limitação, de uma circunstância desfavorável a nós. No entanto, também poderemos estar sendo provados na abundância. A grande questão na provação é confiar ou não na providência divina e muitos de nós acabamos em certos momentos confiando em nossos próprios recursos, como fez Abrão quando tomou por mulher sua criada Agar.


2. Quando lemos que Abraão creu em Deus e isso lhe foi imputado por justiça esquecemos que em dado momento teve medo de revelar aos egípcios que Sarai era sua mulher, mentiu por não confiar no Senhor. Também antecipou-se ao cumprimento da promessa divina tomando Agar como mulher.  Abraão na era perfeito.  Sua fé no Senhor passou por processo em toda sua vida de desenvolvimento à medida que vivenciava experiências com Deus em sua história de vida. Assim aconteceu com Abraão, fica a você o desafio de amadurecer na fé de acordo com as experiências com Deus que você tem vivido.


3. Que haja temor de Deus em sua vida. Como afirma o Sl 25.14: “A intimidade do SENHOR é para os que os temem, aos quais ele dará a conhecer a sua aliança”.


Conclusão


           Naquela época muitos lugares eram nomeados de acordo com acontecimentos importantes na vida de personagens de grande relevância histórica como foi o caso de Abraão e o Monte Moriá. E ficava permanentemente na memória do povo. Moriá em hebraico significa ordenado/considerado por Deus. Que você possa cumprir com as ordenanças divinas para sua vida e crer que o mesmo Deus que exige de você também te capacitará à obediência.

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