HISTÓRIA DA REFORMA (parte 1)




Com certeza a história do cristianismo é uma daquelas leituras que deve sempre estar presente na vida daqueles que trabalham na liderança do povo de Deus. Precisamos ter conhecimento de nossa história para compreendermos o que somos e como chegamos a ser o que somos. Este trabalho sobre a Reforma protestante, portanto, tem o objetivo de trazer um esclarecimento acerca de fatos tão relevantes para vida da igreja, os quais os conhecendo podemos afirmar nos encoraja e nos fortalece para desafios presentes que a igreja de Cristo enfrenta.


          A Reforma Protestante foi um acontecimento importante não apenas para a igreja, mas também para a sociedade ocidental em todos os aspectos, seja ele econômico, social, cultural ou religioso.
         
          É importante que ao se tratar sobre Reforma Protestante haja um prelúdio de como a igreja vertiginosamente caminhou para a ruína espiritual e moral, por isso, iniciamos com a constantinização do cristianismo.
         
          Ao tratarmos sobre a igreja na Idade Média, usamos essa expressão unicamente como ferramenta didática, pois estamos cientes e concordamos que tal nomenclatura é por demais preconceituosa, advinda da influência do Iluminismo que via aquele período da história ocidental como uma “idade das trevas”.
         
          Acreditamos que o exposto nas páginas seguintes sobre a Reforma Protestante satisfaz a necessidade do conhecimento do assunto como uma leitura inicial de um tema tão extenso e complexo, para um aprofundamento no assunto obviamente remetemos o leitor às fontes que utilizamos e outras que não tivemos a oportunidade de pesquisar.


A CONSTANTINIZAÇÃO DO CRISTIANISMO


          No período de reinado do imperador Diocleciano no século III, a igreja passava por um momento de terrível perseguição. O imperador visava manter unido o estado romano, para tal, era necessário preservar a cultura greco-romana, visto que a igreja mantinha uma cultura heleno-hebraica discordante em muitos aspectos da greco-romana, se fazia necessário então eliminá-la. Ele fez essa tentativa nos anos de 303 a 305 d.C. A tentativa de Diocleciano de suprimir o cristianismo foi um fracasso.
          Quando Diocleciano abdicou do trono, seus quatro generais, que governavam regiões administrativas, entraram em guerra. Os dois generais que mais tinham possibilidade de chegar a ser imperador eram Constantino e Maxêncio. Em uma batalha em 313 d.C. Constantino supostamente teve a visão de uma cruz no céu com a seguinte inscrição: “com este sinal vencerás.” Ora, Constantino era um político inteligente. Ele presenciara a tentativa fracassada do ex-imperador de eliminar o cristianismo dos territórios romanos. O efeito, aliás, tinha sido contrário, quanto mais a igreja era perseguida mais crescia em número. Constantino então, sabiamente concede aos cristãos no ano de 313 dC. o Edito de Tolerância, que legaliza a religião cristã. Nesta época Constantino ainda não professava o cristianismo e possivelmente nunca veio a ser cristão verdadeiro. Ele declarou-se cristão por dois motivos básicos, primeiro porque percebia que a igreja poderia servir como um novo centro de unidade e salvar a cultura clássica e o império.
          Após vencer Maxêncio, ele derrotou os outros dois generais Feliciano e Maximino, conseguindo dessa forma, juntamente com seu co-imperador Licínio governar em todo o Império Romano de 323 a 337 d. C.
          A política favorável de Constantino ao cristianismo trouxe benefícios e malefícios à igreja.

Alguns resultados bons para a igreja:
  • Cessaram as perseguições;
  • Os templos foram reconstruídos e abertos em toda parte, com o nome de Basílicas;
  • Foram cessados os sacrifícios oficiais, e os templos pagãos foram dedicados ao culto cristão;
  • Eram concedidos donativos às igrejas e ao clero, desta maneira o dinheiro público foi enriquecendo as igrejas. Os bispos, todos os ministros e todos os funcionários do culto cristão eram pagos pelo Estado;
  • O clero recebeu privilégios como isenção de impostos e deveres cívicos obrigatório a todo cidadão, todas a suas causas eram julgadas por cortes eclesiásticas e não civis; e
  • O domingo foi proclamado como dia de descanso e adoração em 321 d. C.

Houve dessa união maus resultados para a igreja:

  • Depois da suposta conversão de Constantino o culto começou a sentir a influência do protocolo imperial;
  • O incenso que até então tinha sido sinal de culto ao imperador aparece nas igrejas cristãs;
  • Os ministros que oficializavam o culto começaram a usar vestimentas ricamente ornamentadas. Alguns gestos de reverência feitos normalmente diante do imperador surgiram nos cultos;
  • Aos poucos todos queriam ser membros da igreja, ambicionando cargos e influência social e política. Homens maus e sem escrúpulos eram aceitos tornando o nível moral muito baixo;
  • Os costumes pagãos pouco a pouco foram entrando na igreja. Algumas festas pagãs foram aceitas na Igreja com outros nomes e no ano de 405 começaram a aparecer as imagens do santos e mártires. Para contrapor a adoração ao elemento feminino que havia na religião pagã, especificamente a adoração de Vênus e Diana, foi instituída a adoração a Maria;
  • Iniciou-se o sentido de missa, a Ceia tornou-se um sacrifício em vez de uma recordação da morte de Jesus;
  • O ancião passou de pregador a sacerdote e chefe da igreja; e
  • A Igreja tornou-se mundana depois de ascensão ao poder, ao invés de transformar o mundo, o mundo começou a dominá-la. De humilde passou a ser arrogante, ambiciosa e orgulhosa. Perdeu aos poucos as características de Cristo. Se o fim da perseguição foi uma bênção, a união da Igreja e Estado tornando o cristianismo religião oficial mostrou-se uma maldição e a igreja passou a ser uma máquina política.

Essa união da Igreja com o Estado também resultou em uma contribuição positiva para o Estado:

  • A crucificação foi abolida, não mais considerada instrumento de morte para os prisioneiros;
  • O infanticídio foi reprimido e por fim abolido do império;
  • Os escravos passaram a receber tratamento mais humano, foram-lhe outorgados direitos legais que antes não possuíam;
  • Cessaram as lutas dos gladiadores que foram totalmente banidas no ano 404 com a morte do monge Telêmaco; e
  • A dignidade da mulher passou a ser reconhecida no Estado.


          Até sua morte o imperador manteve o título de Pontifex Máximus, sacerdote principal da religião pagã do Estado. Este fato, e ter ordenado executar um rapaz que poderia reivindicar o seu trono não condiz com um coração genuinamente convertido. Por outro lado, o fato de ele ter se submetido ao batismo somente no seu leito de morte não é de estranhar, pois era crença comum entre os cristãos na época que o ato do batismo anularia todos os pecados cometidos anteriormente.
          Dentre os atos imperiais em favor do cristianismo podemos destacar além da liberdade de culto, editos que possibilitavam a recuperação de propriedades confiscadas, subsídio da Igreja pelo Estado, isenção ao clero do serviço público e a separação do “Dia do Sol” (domingo) como um dia de descanso e culto.
          Os filhos de Constantino prosseguiram com a política favorável à Igreja, havendo apenas um retrocesso quando Juliano assumiu o trono em 361 d.C, este era amante da filosofia de Atenas e Neoplatonista.
          Os imperadores seguintes voltaram a beneficiar a Igreja, até gradativamente o cristianismo se tornar religião oficial do Império. O imperador Graciano renunciou ao título de Pontifex Máximus. Em 380, Teodósio I promulga um edito oficializando o cristianismo a religião oficial do Estado. Em 392 é proibido o paganismo com o Edito de Constantinopla. E em 529 Justino fecha a escola de filosofia de Atenas.



O CONTEXTO DA IDADE MÉDIA


          Não há uma uniformidade entre os historiadores sobre quando começou e quando terminou a Idade Média. Olhando a história pelo foco da história da igreja, ficaremos com a data inicial em 590 devido à luminosa atuação de Gregório I como o primeiro papa de atuação universal, e o seu término em 1517 com Lutero.


Gregório I  

          Gregório (540 – 604) viveu em época de contexto social muito turbulento. O Império Romano do Oriente que tinha por imperador Justiniano lutava para reconquistar das mãos das tribos teutãs o império ocidental. Havia nessa época muitas pilhagens, doenças e fome.
          Gregório nasceu em uma família rica, podendo então ter uma boa educação na área jurídica. Estudou latim e foi leitor de Ambrósio, Jerônimo e Agostinho. Ele foi escolhido prefeito de Roma em 573. Usou sua fortuna de modo incomum, construiu sete mosteiros na Itália, o mais importante deles no palácio do pai. Tornou-se monge de grande prestígio. De 579 a 585 foi embaixador do bispo de Roma em Constantinopla. Ao voltar para Roma foi escolhido abade do mosteiro de Santo André, que ele fundara.
          A grande obra de Gregório foi ampliar fortemente o poder do bispo de Roma. Não admitia ser chamado de “papa universal”, porém, na prática era exatamente essa sua influência. Nenhum bispo ou metropolitano do ocidente contrariava sua vontade.
          Ele era um excelente administrador, a igreja enriqueceu muito durante seu pontificado. Ele voltou sua atenção também para a obra missionária. Enviou o monge Agostinho (morto em c. 604) a pregar o evangelho aos bretões. Pode ser considerado então o responsável por subordinar os ingleses à igreja de Roma.
          Foi ele o organizador de um novo tipo de canto na igreja, o canto gregoriano.
          Como pregador destacou-se bastante, embora não tenha se abstraído do erro comum da época do uso excessivo de alegorias. Escreveu obras como Magna Moralis, um comentário ao livro de Jó; o Livro do cuidado pastoral que trata da teologia pastoral. Ele é apontado juntamente com Jerônimo, Ambrósio e Agostinho como um dos quatro grandes doutores da igreja ocidental. De fato, ele colocou os fundamentos teológicos da igreja romana na Idade Média até que Tomás de Aquino formulasse sua Summa.
          Gregório ensinou as boas obras e a invocação dos santos para conseguir sua ajuda, dentre outras doutrinas que vieram a fazer parte da teologia católica.
          O pontificado de Gregório pode ser considerado a transição da história da Igreja antiga para a medieval.


Uma Época de Ansiedade

          A Baixa Idade Média é caracterizada como uma época de adversidade e instabilidade. Os dois séculos anteriores à Reforma foram tempos de grandes desafios e também de grandes mudanças.
          A igreja corrompida em suas bases era incapaz de satisfazer a ansiedade espiritual do povo. O sentimento religioso permeava toda a vida do homem da Baixa Idade Média. Havia uma sede espiritual imensa, manifestada de várias formas, como o constante interesse pelas relíquias, as peregrinações, o interesse nos santos. Havia já um desejo de reforma, manifesto em movimentos como os llolardos na Inglaterra, os hussitas na Boêmia, os valdenses e os franciscanos espirituais na Itália e na França.
          A sociedade da Baixa Idade Média também vivenciou intensas sublevações políticas, econômicas e sociais. É interessante a visão pessimista (ou realista para a época) do poeta Eustache Deshamps:

“Agora o mundo está covarde, decaído e fraco, velho, cobiçoso, com as línguas confusas/ vejo apenas fêmeas e machos estúpido/ o fim se aproxima, na verdade [...] tudo vai mal”.
    
          Este poema expressa um sentimento de desânimo e melancolia que havia nos corações de então.
          Na Europa da Baixa Idade Média havia um desassossego mórbido constante de sofrimento e morte. E com razão, pois foi uma época de constante fome e peste. No início do século XIV, devido à crise agrária, a fome era tão intensa, que alguns recorreram ao canibalismo: em 1319, cadáveres de criminosos eram tirados das forcas e comidos pelos pobres na Polônia e na Silésia. Em 1349 a peste bubônica, ou peste negra, atingindo o ápice na Inglaterra, dissipou pelo menos um terço de toda a população da Europa. Uma nova peste, a sífilis, no século XVI, foi trazida do Novo Mundo pelos marinheiros de Colombo. A invenção do canhão de pólvora trouxe nova selvageria às guerras.
          A visão de morte estava presente nas artes daqueles tempos, manifestavam-se também nos sermões. O homem de então, vivia com um sentimento de limitação e angústia diante do fato inevitável da morte.
          O sentimento de culpa era instigado pela igreja, que dispunha para o povo sua ‘parafernália eclesial’: indulgências, peregrinações, relíquias, veneração dos santos, rosário, dias de festa, adoração da hóstia consagrada, a repetida reza do “pai nosso”; tudo isso fazia parte do sistema de penitência para que as pessoas pudessem estar de maneira apropriada diante de Deus.
          Entre 1309 e 1439 a igreja romana esteve com um conceito muito baixo diante dos leigos. O clero encontrava-se sem autoridade moral. Muitos clérigos sofreram consequências morais devido à prática do celibato. Era comum os casos de concubinato e muitos tiveram filhos. Tiveram de dividir seu tempo entre a igreja e a família, e geralmente dedicavam-se mais à família. A feudalização da igreja romana foi outro problema, pois os clérigos ficavam divididos entre o Papa e o senhor feudal, estando sempre presente um jogo de interesse. Em geral, os clérigos dedicavam mais tempo às suas responsabilidades seculares que às tarefas de ordem espiritual.
          Em 1484, o Papa Inocêncio III expeliu a bula Summis Desiderantes. Esta bula autorizava dois inquisidores dominicanos a exterminar mulheres que fossem acusadas de bruxaria. No pensamento supersticioso da época, quando ocorria uma calamidade como seca, mortes de animais na fazenda, atribuíam às bruxas. Atribuíam à bruxaria até mesmo coisas simples como impotência sexual, uma grande tempestade, etc. Como era de se esperar, as mulheres perseguidas por bruxaria eram pobres, velhas ou então solteiras que não tinham ninguém para lhes proteger. O inquisidor siciliano Louis Paramo escreveu um livro em 1597, “Origin and progresso of the inquisition”, que revela o alarmante número de 30.000 execuções por feitiçaria até o fim do século XVI. Em nome de Deus, os inquisitores serviram ao diabo como poucos conseguiram na história da humanidade.
          Na igreja pré-reformada era vulgar a prática de simonia, do nepotismo, do mau uso dos benefícios eclesiásticos, do concubinato clerical, etc. Todos os reformadores, quer católicos ou protestantes, se opuseram a tais práticas.
          De fato, os tempos pediam uma reforma.


 
MOVIMENTOS LEIGOS DE REFORMA


          É importantíssimo lembrar que a maioria das informações que temos desses movimentos é oriunda de seus inimigos, não de seus simpatizantes. É uma interpretação portanto, bastante unilateral dos fatos.


Os cataritas ou albigenses

 
          Os cátaros, (literalmente puros) também foram chamados de albingenses, por esse movimento ter se situado em Albi, no sul da França.
          Bebiam das doutrinas gnósticas e maniqueístas que permeavam a igreja primitiva. Tinham uma doutrina dualista em que criam em um Deus bom, que fez as almas dos homens e o deus mau, que recebeu um corpo material depois de ter sido expulso dos céus. O deus mau depois que foi expulso dos céus formou o mundo visível. Por isso, a matéria é má. Os cataritas rejeitavam os sacramentos, as doutrinas do céu e do purgatório e da ressurreição física. Eram contra a reprodução da espécie, logo, não aceitavam o casamento. Também não aceitavam juramentos, guerra, o consumo de carne, leite, queijo e ovos. A salvação envolvia o arrependimento, era realizado um rito chamado consolamentun. Todos tinham que passar por este rito, já a elite, chamados de perfecti, tinham o perdão dos pecados garantidos.
          Os albigenses baseavam-se apenas no Novo Testamento e rejeitavam todo o Antigo Testamento.
          Foram fortemente perseguidos pelo Papa Inocêncio III que enviou uma cruzada em 1208 que eliminou quase toda a população daquela região.


Os valdenses

          Seu fundador Pedro Valdo apareceu em 1170. Ele lia, explicava e distribuía as Escrituras, e isso contrariava os costumes e doutrinas católicas romanas. No seu trabalho, fundou uma ordem de evangelistas considerados os “pobres de Lion” e com isto ganharam muitos adeptos no sul de França. Foram perseguidos por séculos, mas permaneceram firmes e hoje são um pequeno grupo de protestantes na Itália. Waldo era tão aplicado aos estudos dos primeiros ensinadores da igreja e atencioso ao estudo da Bíblia, tornado-se tão familiar com este livro que o tinha gravado na memória.

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