Introdução
A Bíblia claramente proíbe o
assassinato, contudo, algumas questões devem ser refletidas a respeito desse
assunto. O que significa não matar? O sexto mandamento é aplicável em situação
de guerra? Até que ponto é correto prolongar a vida por meios artificiais?
Essas e outras questões podem ser levantadas ao pensarmos sobre o Sexto
Mandamento.
I – O
Sexto mandamento no Antigo Testamento
O verbo utilizado na língua
hebraica para se referir a “matar” no sexto mandamento é rasar, essa expressão é
utilizada na Bíblia para falar de assassinato. Situações em que não ocorre
morte premeditada, ou em defesa própria, ou em guerra é utilizado outros
termos. Rasar também é utilizado para
se referir a suicídio. A tradução mais correta para Êxodo 20.13 seria: “Não assassinarás”.
II –
Quais pecados e deveres estão implícitos no sexto mandamento?
Para responder a essa
pergunta sigamos o que formula o Catecismo de Westminster:
P-136 CMW Quais são os pecados
Proibidos no sexto mandamento?
1. O tirar a
nossa vida ou
a de outrem, exceto no
caso de justiça pública, guerra legítima ou defesa necessária (At
16:27-28; Gn 9:6; Nm 35:31,33; Dt 20:1-20; Ex 22:2);
a) A questão do
suicídio
Em Atos 16.27-28 Paulo impede que o carcereiro responsável pela sua
prisão cometa suicídio. O suicídio é um dos maiores males na sociedade
contemporânea. Somente este ano de 2016 já ocorreram 965.562 suicídios no mundo. O
suicídio é uma medida última de desespero diante de uma situação aparentemente
sem solução e que fecha as portas a quaisquer possibilidades de saída da
situação. O suicídio é antibíblico, é um ato pecaminoso, por várias razões:
1. Embora não haja na Bíblia uma
proibição explícita do suicídio, pela revelação divina sabemos que o Senhor é o
criador da vida e nos criou à sua imagem e semelhança, logo atentar contra
nossa vida é atentar contra a imagem de Deus em nós.
2. Suicídio é pecado porque a pessoa
com essa atitude expressa falta de fé na intervenção divina. Contudo, devemos
saber que o ato suicida não separa de Deus aquele que parte salvo em Cristo (Rm
8.38, 39; 14.7-9).
3. A saída bíblica diante de
pensamentos suicidas é lembrar que devemos confessar nossos pecados ao Senhor,
lançar sobre Cristo toda nossa ansiedade e nossos problemas, crer na suprema
providência divina, saber que ele valoriza e dar valor real à vida: “[...] eu vim para que tenham vida, e tenham plenamente” (Jo 10.10 NVI).
b) Assassinato culposo
“Se um ladrão for achado arrombando sua
casa e, sendo ferido, morrer, quem o feriu não será culpado de sangue” (Êx 22.2).
Nem biblicamente nem diante da lei somos considerados como assassinos se
porventura em autodefesa própria ou de outrem matarmos outra pessoa. Por conta
disso também em situação de guerra o cristão está isento de pecado, desde que
não esteja cometendo alguma injustiça, algum crime de guerra ou participando de
alguma guerra injusta.
Relacionado a isso podemos lembrar que Paulo ensina que toda autoridade
procede de Deus (Rm 13.1-7).
Ademais, o próprio Deus no Antigo Testamento ordenou ao seu povo que
travassem algumas guerras: contra Amaleque (Êx 17.8-16; 1 Sm 15.1-9), contra os
filisteus (1 Sm 7.1-14), contra Jericó (Js 6.2 ss), e muitas outras. O povo de
Israel nunca entendeu esse mandamento como proibição para a guerra. Evidentemente isso não significa
que a guerra seja uma coisa boa, todo o esforço possível deve ser feto pelas
nações para evitá-la!
c) Eutanásia
Aquilo que pudermos fazer para
preservar a vida de alguém e a não agirmos desse modo estaremos pecando.
Contudo, podemos pensar na complexa questão da eutanásia, para tal faço uso de
partes do estudo do Presbítero Solano Portela sobre o assunto.
Simplificadamente, definimos eutanásia como o esforço humano no
sentido de apressar a morte própria, ou a de um parente ou de alguém que está
em sofrimento. Ela é apresentada pelos defensores como sendo uma extensão
dos direitos humanos, no sentido de que cada um deveria ter o direito a decidir
sobre a própria vida. O assunto, entretanto, transcende o suposto direito ao
suicídio, pois postula o direito de alguém decidir sobre a vida de outro,
baseado em uma condição arbitrária e intangível – a existência ou não de
qualidade naquela vida a ser terminada.
O humanismo secular reconhece valor à vida, mas
atribui a essa uma qualidade que é circunstancial (dependente das
circunstâncias). Nesse sentido, a aferição subjetiva da qualidade de vida é
determinante no julgamento se esta vida deve ser terminada ou não. A visão
bíblica apresenta o valor da vida, como uma questão inerente ao fato de que ela
é um dom de Deus. A própria criação da vida humana representa o ápice do
trabalho criativo de Deus (Gn 1.26) e é chamado na Bíblia como sendo a “coroa
da Criação”. Como o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus o seu valor
não se desvanece.
A
visão humanista identifica sofrimento como sendo um fator que
diminui essa “qualidade” de vida, chegando a legitimar o término dessa, quer
voluntariamente, quer pelo arbítrio ou determinação de outro, como, por
exemplo, a de um parente próximo.
A
visão bíblica, além de atribuir valor intrínseco à vida, e não circunstancial,
possui outra visão do sofrimento. Ela reconhece que sofrimento não é algo
desejável e pode diminuir o nosso desfrutar imediato desta vida, numa visão
meramente temporal, como registra Paulo em 1 Co 1.8, “...a tribulação
que nos sobreveio... foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até
da própria vida”. O sofrimento também pode ocorrer como resultado
direto do pecado (Tg 4.8-9), mas, em várias ocasiões, ocorre dentro dos
propósitos insondáveis de Deus, com a finalidade didática de nos ensinar alguma
coisa. Nesse sentido, paradoxalmente, em vez de retirarqualidade
da vida, pode adicionar qualidade real. O sofrimento
pode fazer com que nos acheguemos e dependamos mais de Deus e capacitar, tanto
ao que sofre como aos que dele precisam cuidar, ao aprendizado de lições
preciosas para o crescimento conjunto dos fiéis, como ensina 2 Cr 1.3 e 4, que
diz: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das
misericórdias e Deus de toda a consolação, que nos consola em toda a nossa
tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma
tribulação, pela consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus”.
Com essa visão, pensando nos resultados benéficos, podemos até nos gloriar nas
tribulações (Rm. 5.3-4).
Paulo também nos escreve que “aprendeu o segredo de estar contente em
qualquer e toda situação” (Fl. 4.12). Não podemos confundir o direito de
procurar a felicidade (dádiva de Deus aos homens), com o direito
inexistente de se obter felicidade (prerrogativa da
soberania de Deus). Ou seja, a ausência de felicidade aparente e temporal não
diminui a qualidade de vida e não nos dá nenhuma prerrogativa sobre a decisão
de vida ou morte, nossa e de outros, como defendem os proponentes da eutanásia.
Uma visão errada da morte.
Os proponentes da eutanásia olham a morte como uma “libertação” do
sofrimento, mas possuem uma visão distorcida da existência, pois não
consideram:
· Que a morte é
algo não natural, ou seja, é fruto do pecado e sobrevem ao homem em função da
queda (Rm. 5.12).
· Que a morte dos
justificados por Deus, pelo trabalho de Cristo Jesus, é “preciosa aos olhos do
Senhor” (Sl 116.12) porque por ela já se encontrarão com o seu criador, mas em
nenhuma passagem há aprovação para que essa morte seja apressada ou para que a
vida seja terminada arbitrariamente, essa morte ocorre no seio da providência
divina.
· Que a morte dos
ímpios, longe de ser liberação de sofrimento, é o início do sofrimento eterno
maior (Hb 9.27 e 10.31).
Qualquer compreensão meramente utilitária da vida e da morte, que não
leve em consideração o fator “pecado” e o trabalho de redenção do nosso Senhor
Jesus Cristo, não pode ser abraçado ou defendido pelo crente, pois fugirá aos
ensinamentos da Palavra de Deus, nossa única regra de fé e de prática.
Alguns Pontos Essenciais a Lembrar.
No meio desse debate, vamos nos lembrar desses seguintes pontos
essenciais que nos são ensinados na Bíblia:
a. A vida é uma dádiva
preciosa de Deus (Gen 1.20-25).
b. A vida humana é
especialmente preciosa, porque Deus fez o homem à sua imagem e semelhança.
Devemos portanto preservá-la e não tirá-la (Gen. 1.26 e 9.5-6).
c. A morte não é o fim e
nem uma fuga em si ao sofrimento, mas ela é o resultado do pecado (Rom. 6.23).
d. Muitas vezes ela
ocorre com sofrimento e dor, nos propósitos insondáveis de Deus, como
tribulação e dor podem ocorrer sem relacionamento direto com a morte (2 Cor.
4.8-10).
e. Esse sofrimento nem
sempre é uma conseqüência direta do pecado (João 9.3), mas ocorre para que Deus
seja glorificado.
f. O destemor da morte é
uma característica do servo de Deus (Fil. 1.21).
g. É verdade que servos
de Deus muitas vezes expressaram o desejo de morrer antes do tempo apontado por
Deus, buscando encontrá-lo (Fil. 1.23), mas submeteram-se à vontade de Deus em
suas vidas, sendo o exemplo maior o do nosso Senhor Jesus Cristo (Mat. 26.39).
h. O homem é limitado em
sua perspectiva e não pode definir os seus passos pelos resultados que espera
(pragmatismo) pois esses não lhe são conhecidos (Mat. 26.29).
Os padrões éticos do crente são encontrados na Palavra de Deus e nela
achamos todo o incentivo para valorizarmos a vida e nos empenharmos em
preservá-la, suportando as tribulações com paciência e perseverança, para a
Glória de Deus.
Desse modo, considerando os preceitos
bíblicos é seguro afirmar que a eutanásia encontra-se entre os pecados implícitos
na proibição do sexto mandamento. (PORTELA, Solano. Eutanásia).
d) Sentimentos maus
“Se um irmão ou uma irmã estiverem
carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós
lhes disser: Ide, em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o
necessário para o corpo, qual é o proveito disso?” (Tg 2.15, 16).
“Ouvistes o que foi dito aos antigos:
Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que
todo aquele que [sem motivo] se irá contra seu irmão estará sujeito a
julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento
do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo” (Mt
5.22, 23).
“Todo aquele que odeia a seu irmão é
assassino; ora, vós sabeis que todo assassino não tema vida eterna permanente
em si” (1 Jo 3.15).
O Novo testamento amplia o mandamento
para as questões subjetivas dos nossos sentimentos. Não matar também é não
desejar mal, não tratar outros de forma perversa, não nutrir ódio no coração, e
agir para o bem dos outros.
Considerando a gora o sexto mandamento
em uma perspectiva positiva, isto é, quanto às obrigações que dele advém
pensemos nos deveres que ele nos impõe.
P-135 Quais são os deveres exigidos no sexto mandamento?
1. Todo empenho cuidadoso e todos os esforços legítimos para a
preservação de nossa vida e a de outros (Mt 10:23; Sl 82:4; Dt 22:8; Ef
4:26; Pv 22:24,25).
“Quando
forem perseguidos num lugar, fujam para outro. [...]” (NVI).
2. Fazer justa defesa da vida contra a violência (I Sm 26:9-11; Pv
24:11,12; I Sm 14:45).
Davi, contudo, disse a Abisai:
"Não o mate! Quem pode levantar a mão contra o ungido do Senhor e
permanecer inocente?
Juro pelo nome do Senhor", disse
ele, "o Senhor mesmo o matará; ou chegará a sua hora e ele morrerá, ou ele
irá para a batalha e perecerá. (I Sm 26.9-11 NVI).
3. Paciência em suportar a mão de Deus (Tg 5:8; Hb 12:5).
Vocês se esqueceram da palavra de ânimo que ele dirige a vocês
como a filhos:
"Meu filho, não despreze a disciplina do Senhor nem se magoe com a sua repreensão” (Hb 12.5 NVI).
"Meu filho, não despreze a disciplina do Senhor nem se magoe com a sua repreensão” (Hb 12.5 NVI).
4. Espírito manso e alegre (Sl 37:8,11; Pv 17:22; I Ts 5:16).
“Evite
a ira e rejeite a fúria; não se irrite: isso só leva ao mal” (Sl 37.8 NVI).
5. O uso sóbrio de comida, bebida,
remédios, sono, trabalho e recreios (Pv 23:29,30; I Tm 5:23; Mt 9:12; Is
38:21; Sl 127:2; II Ts 3:10,12; Mc 6:31).
Ou seja, a Palavra nos recomenda
moderação na vida como forma de preservá-la, e desse modo estaremos cumprindo o
sexto mandamento.
6. Pensamentos e sentimentos puros,
comportamento e palavras pacíficas, brandas e corteses (I Tm 4:8; I Co
13:4,5; I Sm 19:4,5; Rm 13:10; Pv 10:12;
Zc 7:9; Cl 3:12).
“Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus,
santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de
mansidão, de longanimidade” (Cl 3.12).
7. Longanimidade e prontidão para se
reconciliar, suportando pacientemente e perdoando as injúrias (Rm 12:18; I
Pe 3:8,9; I Co 4:12,13; Cl 3:13; Tg 3:17; I Pe 2:20).
“Suportando-vos uns aos outros,
perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixas contra outrem.
Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós” (Cl 3.13).
8. Dar bem por mal, confortando e
socorrendo os conflitos, protegendo e defendendo o inocente (Rm 12:20-21; Mt 5:24; I Ts 5:14; Mt
25:35,36; Pv 31:8,9; Is 58:7).
"Pelo contrário: "Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele". Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem" (Rm 12. 20-21).
Conclusão
A compreensão do sexto
mandamento e pô-lo em prática são coisas desafiantes, pois alguns detalhes de
sua aplicação vai de encontro ao que socialmente está se estabelecendo, como
por exemplo, a legalização do aborto. Cabe ao cristão em meio às dificuldades
que se apresentam lembrar que sua ética tem um fundamento firme: as verdades
absolutas de Deus reveladas nas Escrituras.
Referências
PORTELA,
Solano. Eutanásia. Encontrado em: http://solascriptura-tt.org/VidaDosCrentes/Cinzentas/Eutanasia-PortelaNeto.htm. Pesquisado em: 15
dez 2016.
Catecismo
de Westminster.
REIFLER,
Hans Ulrich. A ética dos Dez mandamentos:
um modelo da ética para os nossos dias. Ed. Vida Nova, São Paulo, 1992.
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