A Maravilhosa Doutrina da Graça

 

Jo 1.16 - "Porque todos nós temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça."


1. Introdução

            Bom seria se houvesse uma melhor compreenssão dessa doutrina bíblica. Quantos pecados poderiam ser evitados! Quão mais gratos ao Senhor poderíamos ser! Quando refiro-me a compreensão dessa doutrina não significa apenas um entendimento intelectual sobre seus postulados, mas a aceitação no coração de suas verdades, a internalização e o descançar na graça divina.
            Infelizmente vivemos dias nos quais muitas pessoas tentam viver um evangelho meritório. A busca dos méritos humanos está em nossa cultura secular e penetra na teologia prática da igreja. Na linguagem do contidiano costumamos enaltecer não a graça de Deus, mas os méritos humanos, exemplos:
"Nesta vida nada é de graça".
"Cada um acaba ganhando o que merece".
"Quer amor? Faça por merecer".
Dizemos aos nossos filhos: "Se você merecer te darei um presente".
No meio evangélico podemos observar expressões como:
"É preciso pagar o preço irmão". E outras semelhantes.
           Mas entendamos melhor essa doutrina para que não apenas nossa linguagem com também nossa postura diante de Deus e da vida possa estar sendo transformada.


2. A definição de graça.

            Toda definição deve partir dos significado das palavras conforme se encontram nas Escrituras. Na tradução grega do Antigo Testamento, a Septuaginta, temos a palavra chen (adj. chanum) da raiz chanan. Quando aparece como substantivo em algumas passagens pode significar graciosidade, beleza, como em Pv 22.11; 31.30: "O que ama a pureza do coração e é grácio no falar terá por amigo o rei". "Enganosa é a graça e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor essa será louvada". Mas, normalmente essas expressões significam favor ou boa vontade. Achar favor aos olhos de Deus ou dos homens é uma expressão que se encontra vastamente no A. T., e traz o sentido da manifestação de atos benevolentes, Gn 6.8; 19.19; Êx 33.12; 34.9; 1 Sm 1.18; 27.5; Et 2.7: "Porém, Noé achou graça diante do SENHOR" (Gn 6.8); "Eis que o teu servo achou mercê diante de ti..." (Gn 19.19). A ideia é que as bênçãos são dadas livremente sem levar em consideração qualquer mérito.
            No Novo Testamento temos a palavra charis, de chairen, que significa "regozijar-se", denota primeiramente uma aparencência externa agradável como em Lc 4.22: "Todos lhe davam testemunho e se marvilhavam das palavras de graça que lhe saíam dos lábios, e perguntavam: Não é este o filho de José?" e Cl 4.6: "A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para saberdes como deveis responder a cada um" (a palavra vossa seja em graça, essa é a tradução literal do grego). Mas um outro sentido também é favor ou boa vontade, simpatia, Lc 1.30; 2.40, 52; At 2.47; 7.46; 24.27; 25.9. Na maioria das passagens bíblicas no N. T. o sentido é de uma imerecida operação de Deus no coração do homem pecador, da ação do Espírito Santo em uma comunicação ativa das bênçãos divinas no interior do indivíduo, Rm 3.24: "sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus"; 5.2, 15, 17 e 20; 6.1; 1 Co 1.4; 2 Co 6.1; 8.9; Ef 1.7; 2.5, 8: "e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, - pela graça sois salvos (...) Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus"; 3.7; 1 Pe 3.7; 5.12.
            Portanto, a graça é um atributo de Deus, é uma das perfeições divinas. É o livre, soberano e imerecido favor ou amor de Deus no qual Ele perdoa o pecado e livra o homem da culpa em que se encontra livrando-o da pena. O termo graça também é empregado no sentido da provisão divina em Cristo para a Salvação do homem (Jo 1.14). Jesus é a graça sobre graça. É então também o favor de Deus demonstrada na obra da redenção quanto à justificação concedendo o perdão gratuitamente, Rm 3.24; 5.2, 21; Tt 3.15.


3. A Graça Comum
"O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas. [...] Os olhos de todos estão voltados para ti, e tu lhes dás o alimento no devido tempo. Abres a tua mão e satisfazes os desejos de todos os seres vivos" (Salmo 145.9,15,16).

            Sabemos que vivemos em um mundo no qual jaz o maligno. O inimigo exerce a sua influência nos coraçõe dos não regenerados de um modo batante acentuado. Mas, diante de tudo isso temos de admitir que há também ao mesmo tempo muitas coisas belas no mundo. Podem ser observadas verdadeiras atitude de amor, de solidariedade, de verdadeiro companheirismo, de vedadeira amizade por parte de pessoas não regeneradas. A explicação para isso é que o Senhor age graciosamente na vida do pecador impenitente. O termo graça comum é utilizada para se distinguir da graça na qual o Senhor vocacionaou e chamou o homem para salvação. Portanto, graça comum, segundo Berkhof¹ é: 
a) "operações gerais do Espírito Santo, pelas quais Ele, sem renovar o coração, exerce tal influência sobre o homem por meio da Sua revelação geral ou especial, que o pecado sofre restrição, a ordem é mantida na vida social, e a justiça civil é promovida"
b) "as bênçãos gerais, como a chuva e o sol, água e alimento, roupa e abrigo, que Deus dá a todos os homens indiscriminadamente, onde e quando lhe parece bom fazê-lo".

            A graça comum pode ser notada em alguns aspectos da vida humana:

3.1 A esfera física. O simples fato das pessoas repirarem denota a graça divina, pois o salário do pecado é a morte, mas o Senhor em Sua graça sustenta a vida. Além disso, a terra embora amaldiçoada, como é visto em Gênesis 3.18, também ao mesmo tempo é produtiva, Deus então provê alimentos para o ser humano pecador. Jesus disse: "Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque Ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos" (Mateus 5:44,45).

3.2 A esfera intelectual. Satanás é "mentiroso e pai da mentira" e "não há verdade nele" (João 8:44), no entanto o Senhor demonstra Sua graça em não entregar o homem totalmente à mentira, o homem consegue chegar ao conhcecimento de verdades pelos métodos científicos e filosóficos, e isto deve ser visto como resultado da graça comum de Deus.

3.3 A esfera moral. O reino demoníaco é dedicado de modo total e incodicional ao mal, e isto é contraste com a sociedade humana que embora esteja presente o mal, mas o Senhor põe freio nas potencialidades humanas para praticar o mal. Desse modo encontramos pessoas que embora não se relacionem com o Senhor tem um senso moral elevado. Mas quando as pessoas persistem repetidamente no pecado o Senhor pode castigá-las justamente permitindo que elas se aprofundem em sua malignidade conforme é visto no Salmo 81.12; e Romanos 1.24 - 28: "Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém. Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro. E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm".

3.4 A esfera da criatividade. Toda a capacidade criativa humana para as artes, sejam elas musicais ou outras e as habilidades profissionais como cozinhar, a prática de esportes, tudo isso advém da graça comum de Deus.

            A graça comum é um testemunho de que o Senhor manifesta-se amorosamente para com todos os homens.


4. A Graça Especial
"Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus, o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras" (Tito 2.11-14).

           A graça especial é a que diz respeito propriamente à salvação, já tratamos dela no primeiro tópico na exposição da definição de graça. Passemos então a abordar algumas características da graça salvadora.

4.1 A graça salvadora é para os eleitos
            O texto de Tt 2.11 confunde muitas pessoas, ou melhor, muitas pessoas por uma inabilidade hemenêutica querem entender que o versículo com a expressão "todos os homens" está dizendo que a salvação é para todos. Afirmamos que não, se fosse para considerar esse tipo de intepretação seríamos obriagdos com base nessa falácia a afirmar que todos, ímpios ou crentes seriam salvos no final, é a doutrina do universalismo. Mas afirmamos que a graça salvadora é retrigida aos eleitos de Deus. Primeiramente vejamos a intepretação correta desse texto. Segundo o exegeta William Hendrinksem² esta expressão se refere às classes de pessoas mencionadas nos versículos anteriores. O que o apóstolo Paulo está afirmando é que a graça que se manifestou salvadora (uma referência à pessoa de Jesus) é relevada a todas as classes de pessoas. Isso significa que todos são culpados diante de Deus, mas dentre todos Deus escolheu para serem seus filhos por adoção, sejam homens idosos, mulheres, jovens ou escravos. Desse modo o que o apóstolo diz é que ninguém uma vez resgatado por Cristo tem o direito de se eximir da responsabilidade cristã pelo fato de ser idoso ou escravo, por exemplo.
            Deus manifesta Sua salavadora àpenas àqueles que Ele elegeu para a salvação:
"Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos." (Mateus 22:14).
"Porque, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele". (1 Coríntios 1:26-29)
"Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas". (1 Pedro 1:2)

4.2 A graça salvadora é irresistível
            Dizer que a graça é irrestível não é afirmar que não há resistência da parte do homem pecador para com Deus, vemos nas Escrituras a resistência humana de uma forma abundante. Ef 4.30: "E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia de redenção". E 1 Ts 5.19: "Não apagueis Espírito". Toda a história de Israel no A.T. é de resistência como mostra a parábola dos lavradores maus, Mt 21.33-43; cf Rm 10.21.
            A doutrina da graça irresistível afirma sim que Deus é soberano e pode vencer toda resistência humana pela influência do Seu Santo Espírito. Paulo explana sobre isso em Rm 9.14 ss. onde mostra que a salvação não depende de quem quer, mas de Deus usar de Sua misericórdia. Como é dito no v. 19: "quem jamais resistiu à sua vontade?" Então na graça irrestível, aquele que é eleito para salvação resitistirá somente até o ponto em que o Senhor agirá soberanamente levando-o à conversão. É necessário que seja acentuado que o Espírito Santo não nos força a crer contra a nossa vontade, isso seria uma contradição em termos, ele transforma justamente a nossa vontade para estar em conformidade com a sua.
            Ademais, estando o homem natural norto no pecado ele não pode ir ao Senhor senão atraído pela Sua graça. É o Espírito Santo quem gera fé e leva o homem ao arrependimento do pecado.

4.3 A graça de Deus na vida diária do cristão
            Estamos na graça, vivemos pela graça. A graça de Deus nos acompanha em toda a nossa caminhada cristã. Desse modo alguns aspectos da manifestação prática da graça de Deus na vida do cristão:

4.3.1 A graça põe-nos a trabalhar

            Em tudo o que fazemos no Reino de Deus, ou seja, o serviço prestado ao reino é por graça que o fazemos: "Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus, que está comigo". (1 Coríntios 15:10).

            Isto denota a questão de que é um privilégio servir no reino de Deus, seja em qual for a área. E denota também a essência dos dons espirituais, dádivas que devem ser usadas para a Sua glória e benefício espiritual do corpo de Cristo. Os dons que o senhor nos concede é benefício de sua graça, Rm 12.6-8 diz: "tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se profecia, seja segundo a proporção da fé; se ministério, dediquemo-nos ao ministério; ou o que ensina esmere-se no fazê-lo; ou o que exorta faça-o com dedicação; o que contribui, com liberalidade; o que preside, com diligência; quem exerce misericórdia, com alegria".
            O texto ressalta a nossa responsabilidade do exercício correto e dedicado dos dons. Aquele a quem muito é dado muito será cobrado. Todos seremos cobrados no desenvolvimento dos nossos dons.

4.3.2 A graça pela fé nos faz estar firmes, Rm 5.2.
"Pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus."

            Podemos estar firmes doutrinariamente no verdadeiro evangelho, não nos deixando levar por ventos de doutrina, não confiando de modo legalista em nós mesmos vivendo coisas que são aparência de piedade, mas que não tem nada de agradável à Deus. "Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne". (Colossenses 2:20-23)
            É também apenas pela graça que estamos firmes em nossa caminhada com Cristo. O que o Senhor diz a Paulo também é válido para nós: "A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo" (2 Co 12.9). Todos vivemos a possibilidade de nos afastarmos da fé, de esfriarmos espiritualmente. Nos sustentamos porque o Espírito Santo nos fortalece. Isso não exclui a nossa responsabilidade, no entanto, sem a operação do Espírito Santo o máximo que poderíamos conseguir seria permancer na igreja institucional, não viver em comunhão com o Senhor.

4.3.3 A graça nos permite aproximarnos de Deus com firmeza, Hb 4.16.
"Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno."
            Está incluso aqui a compreensão dos méritos de Cristo e da plenitude de Sua obra redentora. Nenhum de nós pode se aproximar do Senhor pelos seus próprios méritos, por isso a oração por exemplo é sempre em nome de Jesus, nos resguardamos em seu nome, do contrário jamais seríamos atendidos pelo Senhor.

4.3.4 A graça vence o pecado, Rm 5.21.
"Para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor."
            Algumas pessoas querem vencer o pecado por meios legalistas, pela realização de boas obras etc. Por si mesmo, mesmo regenerado, o homem é incapaz de vencer o pecado por si mesmo. Quem confia em seus meios legalistas deveria atentar para Cl 2.23: "Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não tem valor algum contra a sensualidade".

            Desse modo vemos que somos totalmente dependentes do Senhor para que tenhamso uma vida de santidade: "... porque Deus é quem opera em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2.13). Se crescemos em santificação é unicamente pela graça, do contrário há apenas religiosidade.

4.3.5 Os meios de graça

            Deus se utiliza de meios para operar em nossas vidas, este meios de graça são: a Palavra, a oração e os sacramentos da igreja que são o Batismo e a Ceia do Senhor. São meios instituídos pelo Senhor para a vida saudável de Sua igreja. Não pde haver comunhão com Deus se os meios de graça forem desprezados.


5. Conclusão

            Que possamos estar entendendo esta doutrina maravilhosa para que a cada dia cresçamos em gratidão ao Senhor por tudo o que Ele realizou e tem realizado em nossas vidas. Compreender a graça de Deus nos constrage a viver em obediência, a não confiar em nós mesmos e nos leva a viver o evangelho em sua pureza.


 
Referências

1. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Editora Luz Para o Caminho, 4ª edição, São Paulo - SP, 1996.

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