Introdução
Existe crente carnal?
É muito comum ouvirmos categorizações sobre
as pessoas. A pessoa ser rotulada é ser posta dentro de uma categoria, e depois
disso ficará bastante difícil ser vista de forma diferente. Respondendo a
pergunta: Opção 1. Alguém que é categorizado como crente carnal é um salvo que
circunstancialmente está vivendo carnalmente. Opção 2. Alguém que sempre vive e
viveu enquanto crente, de um a forma carnal.
O que seria um crente espiritual?
Seria este alguém que ocasionalmente tem
vivido uma espiritualidade mais elevada do que o carnal? Ou é este indivíduo
alguém que sempre viveu dessa forma e também por ser tão espiritual sempre
viverá assim?
Na verdade todo crente é espiritual por ter a
natureza de Cristo, contudo, está sujeito a momentos de carnalidade. O importante é que em nossa caminhada com
Cristo lembremos que não estamos sós: tanto em nossas circunstâncias
carnais podemos estar sendo ajudados por outros quanto em nossos melhores
momentos podemos ser instrumentos do Senhor para o resgate de nossos irmãos.
Então, não há o crente carnal contínuo, se o
for é porque afinal nunca foi regenerado, é apenas um religioso. Assim como não
há quem viva toda a sua vida em alta espiritualidade.
I – DEVEMOS ZELAR UNS
PELOS OUTROS. V.1-5.
Cuidando
da disciplina de todos (v.1). O
apóstolo Paulo elucida como deve ser a ação da igreja para com aqueles que
momentaneamente estão agindo de forma contrária à vida no Espírito. Há no texto
um equilíbrio recomendado nas ações. Se alguém for surpreendido no pecado
deverá ser corrigido. Assim, não basta a mera desconfiança. É incabível então
essa correção para quem não admite o pecado e se coloca inocente em alguma situação
específica. Contudo, o ato de amor para com irmãos que caem em pecado não é
fingir que nada ocorreu, mas a correção. Entretanto, não há espaço para
utilizar do momento de fragilidade do outro para oprimir, por isso que Paulo
diz que a correção deve ser com brandura. Que ninguém coloque-se em posição de
superioridade. Sabendo que todos somos frágeis e sujeitos aos mesmos pecados,
Paulo ressalta a importância de estar em vigilância contínua. O termo no v. 1 skopon (VIGIANDO) indica
ação contínua.
Aqueles que estão meramente preocupados em
olhar para a vida dos outros sem de fato a intenção de ajuda, mas de
julgamento, não estarão vigilantes quanto a sua própria vida. A consequência
pode ser a queda espiritual, e isso acontecendo poderá aprender que não se mantém
de pé por si, mas pela graça do SENHOR.
Sendo
solidários (v.2). Devemos viver dispostos
a ajudar em suas cargas, ou seja, nas situações que lhe são penosas. Vivendo
desse modo, Paulo diz aos gálatas, que estariam cumprindo a lei de Cristo. Lembremos
que os gálatas estavam demasiado preocupados com a lei de Moisés, ao ponto de
terem sido repreendidos por Paulo por isso, uma vez que estavam desprezando o
evangelho da graça de Deus. Então aqui está o incentivo para cumprir a lei de
Cristo. Calvino comenta que o termo lei quando aplicado a Cristo representa
um argumento, que há um contraste entre a lei de Cristo e a lei de Moisés.
Assim, é como se ele estivesse dizendo: “quer guardar alguma lei? Lembre-se do
que Jesus ensinou: a benevolência, a compassividade, a compreensão amorosa”.
Desse modo, o que é estranho ao amor é desnecessário. Quem assim leva as cargas
de outros cumpre a lei de Cristo. E a ideia de cumprir a lei aqui é de uma
totalidade, nada mais há de ser acrescentado.
Levar as cargas uns dos outros, entretanto,
não é assumir para si os problemas dos outros, pois não é essa a exigência
divina. Entrementes, não há de ser saudável quem assim tentar viver.
Emocionalmente seria muito desgastante e de fato ao fazer isso se estiver
tentando ajudar alguém não conseguirá.
Sendo
humildes (v.3). Como posso eu ajudar
alguém se meu conceito a meu respeito é de uma suposta superioridade espiritual.
Assim não olharia com misericórdia. A
pessoa autoenganada (frenapatan) criou fantasias acerca de si. Deixou de
perceber suas fraquezas, que de fato pode cair nos mesmos pecados que tem
condenado. Poucas virtudes são tão sublimes quanto a humildade. E humildade é reconhecer nossa dependência do
Senhor.
Vivenciar a virtude da humildade faz que
olhemos para nossos irmãos com misericórdia, pois ao não nos vermos como
superiores espirituais a posição que assumimos não é de juiz, mas de
companheiros de batalha.
A consciência de quem somos em Cristo
nos auxilia quanto à humildade.
Paulo já havia escrito no cap. 2 v. 19 e 20: “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo
vive em mim.” Assim, saber
o que é o evangelho e viver o evangelho é viver em humildade, pois sabemos que
somos salvos pela graça de Deus bem como nos mantemos em sua presença também
pela sua graça.
Sendo responsáveis (v. 4 e 5). Aqui possivelmente são os
versículos do texto que traz mais dificuldade de ser entendido. Há quem entenda
que Paulo está sendo irônico quando diz que cada um deve gloriar-se em si. Mas nem
Paulo está incentivando a uma atitude arrogante que rouba para si a glória de
Cristo, nem tão pouco está sendo irônico pelo fato de que ninguém pode
realmente se gloriar em si. Mas o que ele diz então? Primeiramente o “prove cada um o seu labor” tem o sentido de ser
aprovado depois de um teste. Em segundo lugar: não há uma contradição com o v.
2 onde diz que devemos levar as cargas uns dos outros. No v.2 Carga é bare, algo pesado demais para alguém suportar sozinho, no v. 5 fardo é fortion, termo usado no meio
militar para a mochila do soldado, ou seja, para algo pesado, mas que se espera
que essa pessoa possa suportar. Ou seja, o sentido aqui é que cada um não pode
fugir de sua reponsabilidades pessoal. Ainda que sejamos ajudados, somos responsáveis
por nossas vidas, nossa questões, não devemos fugir àquilo que nos cabe.
E o gloriar-se em si não é arrogância, mas uma consciência
clara de quem é em Cristo e como tem vivido. Como bem pontua Calvino, não
desconsidera a glória de Deus, não exalta seus próprios méritos. Acredito que
dá para entender melhor com a citação de 1 Co 1.12: “Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência, de
que, com santidade e sinceridade de Deus, não com sabedoria humana, mas, na graça divina, temos vivido no mundo
e mais especialmente para convosco”.
Além do zelo mútuo, é
necessário que em nossa caminhada na vida cristã estejamos partilhando nossos
bens.
II – DEVEMOS
PARTILHAR NOSSOS BENS, V. 6.
Primeiramente a observação de que aqui não há
nenhuma indicação, por mínima que seja, de compartilhar na perspectiva da
filosofia social marxista comunista. Passa muito longe o sentido desse texto.
Paulo tenta evitar um possível mal entendido.
Cada um deve levar o seu fardo, mas isso não é desculpa para a igreja vir a ser
negligente com aqueles que dedicavam-se ao exercício ministerial da pregação da
Palavra. Esse cuidado de Paulo era necessário, pois parece que alguns obreiros
estavam sendo negligenciados pela igreja. Paulo não está preocupado consigo,
mas com os outros pregadores do evangelho que se dedicavam tempo integral ao
ministério.
A ideia do texto é realmente fazer
participante em coisas materiais.
Então, esse é um dos vários textos bíblicos que acentua o sustento ministerial da
igreja aos seus pastores.
Aqueles que caminham nesta vida como irmãos
em Cristo e que são espirituais entendem que devem também ser generosos. São
mordomos de suas posses, e a generosidade é expressão de gratidão para com aqueles
que os instrui na Palavra. Em contrapartida, aqueles que têm a responsabilidade
de instruir na Palavra deve exercer a gratidão e deve trabalhar não por conta
de valores a receber, mas por cumprimento de sua vocação ministerial. A esses
cabe viver em modéstia e não enxergar o ministério como fonte de
enriquecimento.
Além do zelo mútuo, da comunhão expressa na
partilha de bens, é necessário que entendamos que colhemos aquilo que semeamos.
III – DEVEMOS SEMEAR
PARA O ESPÍRITO, V. 7-8.
Para a intepretação desses versículos não
pode ser desprezado o contexto imediato. Assim, concordo com Calvino, que
afirma que Paulo prossegue seu raciocínio. Ele
estava a falar a respeito da mutualidade entre os que são alimentados na Palavra
e os que ensinam a Palavra. Dentro desse contexto é que adverte que Deus
não se deixa escarnecer. Isto é, os compromissos assumidos com o Senhor não
podem ser simplesmente desconsiderados. Escarnecer aqui é a ideia de “tornar Deus ridículo mediante a defraudação e o não
cumprimento de Sua vontade” (BRUTON up cit. RIENECKER; ROGERS, 1995).
Desse modo, se alguém semeia para a carne sendo avarento com os outros, sendo
egoísta, vivendo as obras da carne como pois poderá colher bênçãos espirituais?
Sua visão está sendo terrena e carnal. Mas o que semeia para o espírito, ou
seja, tem se voltado para o Senhor, e o Espírito Santo tem gerado o fruto em
sua vida: amor, bondade, benignidade, etc., colhe qualidade de vida com Deus. A
expressão “vida eterna” não significa apenas vida interminável, mas uma espécie
de vida, que é o que está sendo acentuado aqui. O texto não está apregoando
salvação pelos méritos humanos, mas uma vida espiritual frutífera, porque
em sua caminhada neste mundo a pessoa tem olhado para o objetivo de tudo o que
faz, no sentido de olhar apara a eternidade em Cristo.
Mas em nossa trajetória na vida cristã, na
comunhão com nossos irmãos, além do zelo mútuo, da comunhão expressa na
partilha de bens, sabendo que colhemos aquilo que semeamos, é imprescindível
que não deixemos de fazer o bem.
IV – DEVEMOS PRATICAR
O BEM, V. 9-10.
Podemos
ter a esperança da recompensa divina, v.9.
O Senhor em graça há de recompensar pelo bem praticado neste mundo. Cabe a nós
nãos sermos imediatistas e não querermos a recompensa do Senhor o quanto antes. A
Palavra diz que é a seu tempo, o que implica que a ceifa das boas ações podem
não necessariamente ser no presente, mas quando da recompensa eterna. Enquanto
isso, estejamos agindo para o bem do próximo não como quem objetiva principalmente
a recompensa, mas movidos pelo amor.
Sabemos
que há vários motivos que desanimam as pessoas em serem perseverantes no agir
beneficamente: às vezes podemos estar
diante da ingratidão da pessoa a quem fizemos o bem, ou da indiferença
de outros que também devem agir de igual modo, ou quem sabe a sensação de que
apenas tentamos agir com bondade, contudo só levamos reveses em nossas
relações. Tudo isso poderá está exaurindo o ânimo. O incentivo é que diante
de tal situação não pense e aja carnalmente, mas espiritualmente, não desanime.
Não desfaleça, apesar das
dificuldades. A ideia do texto é que a recompensa é para quem vai até o fim. Não há colheita sem semeadura.
Devemos
priorizar os irmãos em Cristo, v.10. É
sempre bom recordar que aquele que sabe que deve fazer o bem e estar em
condição para tal e não age em conformidade com misso está pecando (Tg 4.17). Como
vemos aqui que é bíblico ser seletivo na prática do bem no sentido de priorizar
os irmãos em Cristo. Assim como priorizamos nossa família terrena também
temos o dever de priorizar nossa família espiritual. Isso evidentemente não
deve nos levar a ser negligentes com aqueles que não são irmãos em Cristo.
Ademais, conquanto esteja uma conotação material, podemos aplicar a muitos contextos.
Desse modo, fazer o bem a nossos irmãos também é ter uma palavra de consolo,
de encorajamento, mostrar que estamos juntos na caminhada, às vezes até esse
fazer o bem é repreender.
Assim sendo, quero lhes exortar:
Aplicações
1. Fuja do autoengano, da vanglória e da
irresponsabilidade. Lembre-se que tudo o que você realizar é por meio da Graça
do Senhor.
2. Todos podem fazer algo por outros. Talvez falte
recurso financeiro para ajudar materialmente, talvez até imagine que não pode
fazer muito pela família da fé de forma geral, e isso é um engano. Você pode
prestar uma ajuda imensurável por meio da intercessão, ore pelos seus irmãos.
3. Você tem que carregar o seu próprio fardo. Então
lembre que tudo o que o Senhor te puser às mãos para fazer, faça-o com o máximo
da capacidade que ele te concedeu (Cl 3.23).
4. Faça o bem sem
pensamentos mercantis: “O que vou ganhar
com isso? Espero que a pessoa preste gratidão pelo que estou fazendo”. Ideias
como essa excluem a simplicidade do agir movido apenas pelo amor.
Conclusão
O crente verdadeiro poderá até vivenciar
momentos carnais, mas Deus em graça o socorrerá e para isso poderá estar usando
outros crentes espirituais, pois caminhamos juntos, andamos no Espírito juntos.
Devemos então entender e vivenciar essa comunhão sendo instrumentos de Deus
para ajudar e em outros momentos ser ajudados.
REFERÊNCIA
CALIVNO, João. Gálatas.
Edições Paracletos, São Paulo – SP, 1998.
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