Eclesiastes 3.1-15 - Deus, o Senhor do Tempo

Introdução

O tempo é um dos dados da existência mais complexos de serem descritos. É algo que nos condiciona no sentido de limitar-nos; favorece-nos, quando somos pacientes em esperar, declara nossa finitude diante do fato irremediável que somos seres-para-morte. Vivemos o tempo de nossas vidas, que logo se findará nessa existência.
O que é o tempo? Um dos maiores teólogos da história disse: "Se ninguém me pergunta, eu sei o que é; mas se eu desejasse explicá-lo a alguém, simplesmente não seria capaz” (Aurélio Agostinho, 354 – 430). Apesar da dificuldade de definição poderíamos dizer que o tempo, à semelhança do espaço, é uma dimensão, não é uma força.

Elucidação

O que aqui está exposto nesse capítulo tem que ser entendido dentro do contexto geral de Eclesiastes. Toda a existência humana, quando vivida longe de Deus, é frustrante e insatisfatória. Todos os prazeres e coisas materiais da vida, quando buscadas por causa delas mesmas, nada produzem a não ser a infelicidade e um senso de futilidade. Esse é sentido da expressão “vaidades de vaidades” (Ec 1.2 e 3).
O pregador está então a falar sobre algo que não está absolutamente sobre o controle humano, pode haver a ilusão de controle, mas a é que não temos controle sobre o tempo de nossas vidas. A grande tese desses versículos é que é o Senhor que domina sobre tudo, sobre nossas vidas enquanto tempo vivido, sobre os acontecimentos da vida. Ele diz no versículo primeiro que tudo (o conjunto das coisas) tem o seu tempo determinado, ou seja, o Senhor tem um plano eterno para todas as coisas, na natureza, na vida humana. E há um tempo determinado, tudo faz parte de um imenso plano divino.
O que o texto nos traz é a doutrina da providência divina. O Catecismo de Heidelberg (séc. XVI) em sua pergunta 27 sobre o que é providência nos diz:
A providência de Deus é o Seu onipotente e onipresente poder,1 por meio do qual, com as Sua mãos, Ele sustenta continuamente o céu e a terra e todas as criaturas,2 governando-os de tal modo que ervas e plantas, chuva e seca, abundância e escassez, comida e bebida, saúde e doença, riqueza e pobreza,3 todas as coisas na verdade, não nos vêm por acaso4 mas procedem da Sua mão paternal.5
1. Jr 23.23, 24; At 17.24-28. 2. Hb 1.3 3. Jr 5.24; At 14.15-17; Jo 9.3; Pv 22.2. 4. Pv 16.33. 5. Mt 10.29.
Então queremos nesta perspectiva trabalharmos esse texto sob três tópicos: 1. Deus governa todos os eventos debaixo do sol, v.1-8; 2. Deus distribui aos homens seu tempo, atividades e atribuições, v. 9-13; e 3. O que Deus determinou é imutável, v.14-15.

I – Deus Governa Todos os Eventos Debaixo do Céu, V. 1-8.

Chamo a atenção para o versículo 1, pois é a expressão “tempo determinado” é muito relevante. O sentido literal não é de oportuno na perspectiva da conveniência humana, mas de pré-estabelecido por Deus. A mesma expressão hebraica está em outras porções bíblicas nesse sentido de um tempo marcado para que algo aconteça (Ed 10.14).
Nos versículos 2 a 8 o pregador mostra de forma particular o que ele acabou de falar de forma geral. Não há necessidade nesse momento de discorrermos detalhadamente sobre cada detalhe dos versículos. O que precisamos guardar é que o texto nos fala de acontecimentos que não estão em nosso controle. Não escolhemos quando nascer, assim como não escolhemos quando iremos morrer. Todos os nossos dias estão determinados pelo Senhor. Diz o Salmo 119.16: “[...] no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nenhum deles havia ainda”.
Tudo está sob a providência divina. Sejam as coisas mais extraordinárias da história humana, das sociedades humanas, como estabelecimento de governos, as guerras (v.3 “tempo de matar”), a paz entre as nações (v.8) até as questões individuais; como as alegrias de cada um, as tristezas de cada um (v.4); o casamento e a separação do casamento. Moody afirma que a expressão “espalhar pedras e ajuntar pedras” é uma metáfora hebraica que aplica ao casamento. Ele também afirma acerca do v. 7 que: “Tempo de rasgar. Isto é uma referência à prática de se rasgar roupas em sinal de aflição (veja Gn. 37:29; Jó 1:20). O tempo de coser é quando a tristeza já foi aquietada”. O Deus que determinou o momento da aflição também determinou que ela sessará.
Assim sendo meus irmãos, não há sorte para nós, não há azar, não há acaso; toda nossa vida está sob a providência divina. Não somos folhas jogadas ao vento, embora não saibamos o que virá amanhã, sabemos que podemos descansar na sabedoria divina.
Também ao refletirmos sobre a providência entendemos que tudo é por Deus e para Deus, e a Ele então damos a glória!
Mas vejamos também que o pregador nos mostra que tudo o que nos sobrevém, é da parte do Senhor para nossa vidas.

II - Deus Distribui aos Homens Seu Tempo, Atividades e Atribuições, v. 9-12.

Agora o pregador faz uma pergunta bastante justificável no v. 9. Poderíamos colocar dessa forma: se Deus determina todas as coisas em sua providência, que proveito temos nós naquilo que fazemos? É uma pergunta prática, quer saber do aqui e do agora.
Na experiência pessoal do pregador ele observou muitas pessoas insatisfeitas com o que realiza, “o trabalho que impôs aos filhos dos homens”. De onde vem essa insatisfação? O ser humano é um ser de desejo, de sonhos, de ambições. Contudo, as limitações de nossas condições existenciais atestam a realidade que nem tudo o que desejamos alcançaremos, nem tudo que sonhamos concretizaremos. Temos nossas limitações: intelectuais, físicas, materiais. Daí vem a aflição, da constatação que não somos o que gostaríamos de ser, que talvez não tenhamos o que gostaríamos de ter. Podemos olhar para o passado e sentir-nos tristes, olhar para o presente e sentir-nos decepcionados conosco mesmos, olhar para o futuro e sentir-nos sem expectativa.
Ou então podemos aceitar o que é dito no v. 11. “Tudo fez Deus formoso”, não tem apenas o sentido estético. Mas lembra Gênesis quando o Senhor conclui a criação e é dito: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31). Tudo Deus fez e faz de modo belo, perfeito, bom no devido tempo. Ao aceitarmos isso estamos nos submetendo à soberania divina. Significa aceitar que só seremos nesta vida o que ele determinou que seremos, só teremos nesta vida o que ele determinou que teremos.
Não se trata de fatalismo filosófico, isto é, achar que nada poderia ser diferente por causa de leis desconhecidas dos ser humano, mas que o condiciona. Nem é conformismo, que é desculpa para o preguiçoso. Trata-se da doutrina bíblica do cuidado divino em nossas vidas pela sua maravilhosa providência.
Voltando ao Catecismo de Heidelberg, a pergunta 28 diz:
“Que benefício há em sabermos que Deus criou todas as coisas e que continuamente as sustenta pela Sua providência?
Podemos ser pacientes na adversidade,1 agradecidos na prosperidade2 e podemos, quanto ao futuro, confiar firmemente em nosso Deus e Pai fiel, porque criatura alguma poderá nos separar do Seu amor;3 pois todas elas estão de tal modo em Sua mão que sem a Sua vontade, elas não podem nem mesmo se mover”.4
1. Jó 1.21, 22; Sl 39.10; Tg 1.3 2. Dt 8.10; 1Ts 5.18. 3. Sl 55.22; Rm 5.3-5; 8.38, 39. 4. Jó 1.12; 2.6; Pv 21.1; At 17.24-28.

Então, como diz o v. 11: “também pôs a eternidade no coração do homem”. O homem finito e limitado no tempo almeja eternidade. Somos seres finitos com desejo pelo infinito. Mas esse desejo deve nos levar à reflexão de nosso tempo finito. Olhemos para o passado em gratidão pelo o que Ele já fez por nós, para o presente buscando entender sua providência em nossas vidas, buscando está em conformidade com sua vontade, e para o futuro, aguardando o Senhor em santa expectativa de sua vinda.  Em tudo isso o passado fica onde está, o futuro ainda não é, mas o presente, busque vive-lo da melhor forma, desfrutando a dádivas divinas (v.12 e 13).
E não esquecer que o senhor do tempo é imutável, logo, o que ele determinou não voltará atrás.

III - O que Deus Determinou é Imutável, v.14-15.

O pregador retoma o plano eterno de Deus, e dá a resposta da incapacidade humana diante desse plano. “Tudo quanto Deus fez durará eternamente” (v. 14). O Senhor do tempo é aquele que não muda seus propósitos, é aquele que sustenta soberanamente o que determinou. Seu plano não muda porque seu caráter não muda, porque Ele é perfeito e tudo faz de forma perfeita. Ainda que seja incompreensível ao homem. O pregador mesmo diz: “nada se lhe pode acrescentar e nada se lhe pode tirar” (v.14). Somos incapazes diante do plano divino, não podemos mudá-lo, cabe a nós aceita-lo de forma grata. Ele mesmo diz em Isaías 43.13: “Ainda antes que houvesse dia, eu era; e nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá”? E ainda: "Deus não é homem para que minta, nem filho de homem para que se arrependa. Porventura, tendo ele prometido não o fará? Ou, tendo ele falado, não o cumprirá" (Nm 23:19); “O conselho do SENHOR dura para sempre; os desígnios do seu coração, por todas as gerações" (Sl 33:11)
Diante disso a reação mais sábia, e mais inteligente é aceitar a soberania divina e temer ao Senhor. A palavra diz que “o temor do SENHOR é o princípio da sabedoria” (Pv 9.10).
O temor do Senhor não é medo que provoca desejo de distanciar-se no sentido de pavor. O temor aqui referido é reverência, é reconhecimento de sua providência, é honrá-lo em sua majestosa glória, é saber que a Ele prestaremos contas de nossas vidas, e ter medo, portanto, de nossas obras serem consideradas como obras de injustos e perversos. Afinal o senhor do tempo chamará a julgamento como nos diz o v. 17. 

Conclusão

1. Sabedores que não é de nosso conhecimento o que o Senhor determinou que ocorra em nossas vidas em nosso futuro próximo ou distante no que tange à nossa existência neste mundo te digo que aproveite o tempo presente. Deixe o passado onde está, invariavelmente você o reinterpretará à luz dos novos conhecimentos adquiridos, das experiência da vida, mas deixe as mágoas do passado no passado. Deixe os pecados do passado no passado. Planeje sua vida no futuro, mas sem esquecer que você depende do Senhor e é muito melhor buscar sua orientação para tudo o que pretendemos fazer. Mas não viva apenas de expectativas, de ansiedades, você não tem controle sobre o tempo, as coisas acontecerão somente dentro do propósito divino. Aproveite, portanto, o agora, é no agora que você pode servir ao Senhor, é no hoje que você pode amar mais intensamente, etc.

2. Sendo o tema central desse texto a providência divina. Quero que você tenha um novo olhar a partir de agora para os sonhos não realizados, para suas frustrações, para suas vitórias, para suas conquistas, para os momentos tristes e para os momentos alegres; em todos esses momentos o Deus da providência e senhor do tempo estava com você. Havendo essa compreensão da providência divina há segurança em nossa alma de que nada ocorre por acaso. Sendo assim, sejam quais forem as circunstâncias a Ele daremos glória.

3. O tempo aqui descrito tem correlação com a história da redenção. Diz a Palavra: “vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei” (Gl 4.4). Isso significa que o próprio senhor do tempo na pessoa de Seu Filho irrompe diretamente na história da humanidade. Seu plano eterno na perspectiva da nossa existência chega a uma nova etapa, o que a Bíblia chama de os "últimos dias". Importa a nós a graça da compreensão da providência divina, que vivemos Cristo na história de nossas vidas, cabe a nós atentar para a exortação do Senhor: “[...] exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado” (Hb 3.13). Assim, cada dia que o Senhor do tempo nos concede, cada momento que chegamos em adoração à sua presença é uma oportunidade para o autoexame e para o arrependimento. “Hoje se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração [...]” (Hb 3.7, 8; Sl 97.7, 8).

4. O Senhor do tempo também nos exorta em sua Palavra para que estejamos atentos para os sinais da volta de Cristo. Certa vez ele reprendeu os fariseus e saduceus por não saberem interpretar sua época e entenderem que o Messias havia chegado. O senhor do tempo não apenas estabeleceu o tempo vinda de Cristo, mas também de sua volta escatológica, cabe a nós vivermos essa expectativa sabendo que ele breve voltará. Quando isso ocorrerá, só ele sabe, a nós ele nos diz: “Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade” (At 1.7).
Caminhamos para esse maravilhoso dia meus irmãos! Por isso Paulo exorta Timóteo em 1 Tm 6.13-16.

5. É maravilhoso sabermos que o senhor do tempo nos conforta sobre o fim de nossas aflições: “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.18). E Apocalipse 21.10 nos diz que ele enxugará dos nossos olhos toda a lágrima, pode ser que no momento seja tempo de chorar, mas o tempo de sorrir será eterno.


Ao Senhor do tempo toda honra, toda glória, todo louvor!

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