MC 7.1-23 - APARENTE ESPIRITUALIDADE X VERDADEIRA ESPIRITUALIDADE


MARCOS 7.1-23

Introdução: Uma das características do evangelho de Marcos é que foi escrito visando o público não judeu, por isso que vamos encontrar em alguns textos muitos detalhes acerca da cultura do povo judeu. Marcos, ao contrário de outros evangelistas preocupa-se em dar explicação sobre as práticas religiosas dos israelitas, especialmente da elite dominante na religião judaica. O texto que abordaremos traz um pouco disto. E, por meio daquilo que é apresentado na prática dos fariseus contrapondo ao que Jesus ensinou vejamos um pouco sobre a noção de verdadeira espiritualidade, sem obviamente tencionar esgotar este tema tão vasto. Portanto vejamos este conflito entre a verdadeira e a falsa espiritualidade.



APARENTE ESPIRITUALIDADE X VERDADEIRA ESPIRITUALIDADE


I – A FALSA ESPIRITUALIDADE PREOCUPA-SE COM O EXTERIOR, V. 1-8.

           A atividade de Jesus estava despertando a atenção por parte da elite religiosa da época. Fora mandada então uma comitiva para avaliar a situação representante de dois grupos, dos fariseus e dos escribas. Os fariseus eram descendentes de um povo que viveu um a dois séculos antes de Cristo, os Hassidim, conhecidos como um povo muito piedoso. No tempo de João Hircano, que era sumo sacerdote e membro da dinastia dos Hasmoneus no final do segundo século antes de Cristo, esse grupo dos fariseus não concordava com a maneira pela qual os saduceus, que formavam a liderança da nação, estava sendo permeada pela cultura, princípios e modos de viver dos gregos. Não conformados com a identificação que os saduceus tinham com aquilo que era grego, os fariseus acabaram rompendo com essa liderança e fundando aquilo que era praticamente uma seita ou um partido radical. 

           Os fariseus acreditavam em coisas do seguinte tipo: se eu tocar alguém que é impuro, esta impureza não atingirá apenas a minha mão, mas também o meu espírito. Portanto, qualquer coisa que eu fizer, mesmo que externa a mim, mas que possa ser classificada como contaminada, vai me contaminar fisicamente, cerimonialmente e espiritualmente. Os fariseus queriam viver a vida dentro desse padrão elevadíssimo, conforme a tradição deles, e queriam impor isso aos demais.
           Os escribas eram homens que viviam diariamente transcrevendo os textos do Antigo Testamento. Conheciam os termos do Antigo Testamento e seu significado, eram gente culta, os teólogos no dia de Jesus.
Havia uma série de rituais observadas pelos fariseus, pois eles não atentavam apenas em observar a Lei, além da Lei (Torah), eles tinham dois livros, a Mishnah, um tratado sobre agricultura, festas, matrimônio, área civil, cerimonial e penal que era baseada na Torah. E também tinham a Gemara que era um comentário sobre este tratado. Juntos esses livros formavam o Talmud. Além disto havia a chamada tradição oral, o ensinamento de rabinos reconhecidos que era transmitido oralmente. Na prática os fariseus acabavam por igualar o Talmud à Lei.

            Quando eles vêm a Jesus (v. 5) e perguntam porque que os discípulos não cumpriam o ritual de lavar as mãos, para que desse modo pudessem estar puros diante de Deus estão se baseando em suas tradições. Queriam encontrar um motivo para acusar Jesus. A preocupação de lavar as mãos aqui tem a ver com ritual de pureza, não está presente elemento de higiene. Ser puro diante de Deus era cumprir esses rituais externos.


           A resposta de Jesus nos v. 6-8 é retaliadora. Jesus afirma que se cumpre neles a profecia de Isaías e chama-os de hipócritas, casuístas (pessoas que estão preocupadas com minúcias legais com fins maliciosos). Enquanto observam tantos rituais seu interior estás cheio de malícia, por isso que Jesus diz que o oração deles, a fonte do seu interior está distante do Senhor. A adoração deles é vã, não recebida pelo Senhor.
No v. 8 Jesus afirma que a doutrina deles é doutrina de homens não de Deus. De nada adiantava a eles a aparência de santidade, de nada lhes adiantava considerarem-se superiores espiritualmente àqueles que não eram de sua classe. Viveram uma degradação doutrinária. A doutrina de santidade deles estava baseada naquilo que homem pode fazer externamente, em seus rituais, em deixar de fazer isso ou aquilo, em não se relacionar com outras classes de pessoas como gentios e publicanos.
           Observemos que tudo isso não está distante da realidade cristã atual. Em nossos dias há ramos da cristandade, há igrejas supostamente evangélicas onde o evangelho nunca é pregado, onde as Escrituras não são lidas sem distorção em interpretação. Onde se prioriza meramente observâncias externas, e bem sabemos que tais observâncias não aliviam o coração conturbado pelo pecado, apenas vende uma ilusão de santidade.


II – A FALSA ESPIRITUALIDADE REJEITA A AUTORIDADE DA PALAVRA DE DEUS, V. 9-13.

           Jesus agora afirma que eles utilizam de uma sutileza para se esquivar de cumprir os preceitos divinos a respeito do cuidado para com os pais. Honrar pai e mãe é colocado com muita seriedade no A. T.:
“Se alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedece à voz de seu pai e à de sua mãe e, ainda castigado, não lhes dá ouvidos, seu pai e sua mãe o pegarão, e o levarão aos anciãos da cidade, à sua porta, e lhes dirão: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz, é dissoluto e beberrão. Então, todos os homens da sua cidade o apedrejarão até que morra; assim, eliminarás o mal do meio de ti; todo o Israel ouvirá e temerá” (Dt 21.18-21).

“Maldito aquele que desprezar a seu pai ou a sua mãe. E todo o povo dirá: Amém!” (Dt 27.16).

“Ouve a teu pai, que te gerou, e não desprezes a tua mãe, quando vier a envelhecer” (Pv 23.22).

           No entanto, para se esquivar da responsabilidade familiar eles priorizaram sua tradição acima da Palavra de Deus. A Corbã era uma oferta que davam ao Templo e que consideravam que após comprometerem seu dinheiro, seus bens, não poderiam utilizar para nenhum outro fim. De modo prático para que entendamos como funcionava era do seguinte modo: Colocando a situação nos dias de hoje, imagine que meu pai me diz: “Meu filho, você tem dois carros. Você pode me dar este que é o mais simples?” Se eu tenho e posso fazer isso, seria justo eu honrar meu pai dando-lhe o carro e oferecendo a ele todo cuidado que uma pessoa mais velha requer e merece. Mas, nessa hora, aquele judeu esperto diria o seguinte: “Pai, isso que você está me pedindo é Corbã. Eu o dei para o Senhor Deus.” Portanto, o que ele deu para Deus, não podia dar ao pai. Tudo o que era classificado como Corbã não poderia ser destinado para outro fim, ainda que só passasse para o Templo após a morte do indivíduo. Ao usarem dessa sutileza e coisas semelhantes invalidavam em suas vidas a Palavra de Deus. Está aqui, portanto, demonstrado um desprezo á autoridade de Palavra.

           Acontece o mesmo em muitos contextos evangélicos, de modo prático, as pessoas embora tenham o discurso que a Bíblia é sua regra de fé e prática, colocam na verdade a tradição de sua igreja acima da revelação divina nas Escrituras.
           Aqueles que de fasto não vivem uma verdadeira espiritualidade certamente terão também suas estratégias provenientes da tradição evangélica para se esquivar dos preceitos divinos.


III – A VERDADEIRA ESPIRITUALIDADE ATENTA PARA O SEU INTERIOR, V. 14-23.

           No v. 14 e 15 Jesus convoca oficialmente a multidão para sobre o que de fato é uma vida incontaminada diante do senhor.  Ele utiliza então o tema dos alimentos puros e impuros para mostrar-lhes que comunhão com Deus não se refere a meros atos externos, a práticas observáveis somente, a rituais petrificados. A declaração de Jesus sobre liberdade e pureza aqui ainda é dirigida aos mandamentos relativos a alimentos, ao que entra no ser humano pela boca, e não por olho ou orelha. De forma alguma o ser humano é profanado, impossibilitado da comunhão com Deus, por alimentos que ingere.
           Vemos ainda no v. 17 ss. que nem mesmo os discípulos entenderam de fato o que Jesus ensinou. Foi necessário Jesus explicar que preocupação que deveriam ter não era com ritos externos, não era com mera prática religiosa, mas em observar seu coração, seu interior. Jesus fala de uma forma genérica na terceira pessoa (v. o homem) deixando claro que trata-se de problema do ser humano, que no mesmo já está presente todo tipo de pecado de modo potencial. Jesus vai ao cerne da questão citando alguns pecados nos versículos 21 e 22 afirmando que nossa contaminação que interfere na comunhão com Deus tem suas raízes em nosso interior. Portanto é com nossas motivações que devemos está preocupados, são nossos desejos mais íntimos  que dirão acerca de nossa real espiritualidade. As atitudes observáveis pelas pessoas são apenas manifestações do interiormente somos.
           A religiosidade que aparentemente pode fazer o homem pecar menos está apenas trabalhando o exterior, pois alguém pode ter um comportamento social exemplar, mas seu coração está distante do Senhor. Nós podemos mudar muitas coisas, mas não podemos mudar nosso coração. Não há quantidade de água que ajude, o muito lavar de mãos não fará o coração servir a Deus. Mas o fato de Jesus abordar este tema de modo tão franco é um sinal da sua autoridade transformadora: Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem, mas Cristo tem, poder para transformar o coração mais pervertido.


Aplicações: 1. Viva a verdadeira espiritualidade. Não se engane. Muitos poderão se enganar e considerar você um exemplo, mas o Senhor ver o que ninguém, pode ver. Ao vir à casa do Senhor venha para ofertar o coração, a sua vida, o seu ser por completo. De nada adianta no culto se sua voz no louvor for a mais bela, se sua oração for a mais bem articulada se seu coração estiver distante do Senhor. Lembre-se disso também em sua devoção particular.

2. A autoridade em nossas vidas não pode ser a cultura evangélica predominante. Não pode ser aquilo que meramente considero como certo. Não pode ser a palavra de um determinado líder carismático e midiático sobre certo tema. A autoridade final é das Escrituras, diante do que ela revela devemos nos prostrar e não tentar dar um jeitinho para ela se enquadre meus pensamentos ou minhas atitudes.

3. A verdadeira espiritualidade não nos deixa cegos acerca de nossa própria realidade, não cria a fantasia de uma santidade inexistente para ser elogiados pelas pessoas e submete o seu coração à autoridade da Palavra que nos revela nossa realidade.



Conclusão: Gostaria de concluir afirmando o que Jesus disse a um fariseu chamado Nicodemos. Para libertá-lo de sua religiosidade, de sua justiça própria Jesus diz a ele o que é necessário: “Importa-vos nascer de novo” (v. 7b). É o nascimento espiritual que leva o homem a uma condição de vida no qual poderá de fato dizer que está em pureza diante de Deus.
E à aqueles que já afirmam viver nessa dimensão do Espírito, que possa sempre confiar na operação do Espírito Santo na sua vida, pois ele te libertará de qualquer condição farisaica para que possas viver uma vida abundante.

           Que em sua graça o Senhor nos abençoe com toda sorte de bênçãos espirituais.

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