Sermão pregado na Igreja Batista dos Guararapes em 30 de janeiro de 2011 - Encerramento do Congresso Jovem Despertai

1 Coríntios 10.23-33
"Tudo é permitido", mas nem tudo convém. "Tudo é permitido", mas nem tudo edifica.
Ninguém deve buscar o seu próprio bem, mas sim o dos outros.
Comam de tudo o que se vende no mercado, sem fazer perguntas por causa da consciência,
pois "do Senhor é a terra e tudo o que nela existe".
Se algum descrente o convidar para uma refeição e você quiser ir, coma de tudo o que lhe for apresentado, sem nada perguntar por causa da consciência.
Mas se alguém lhe disser: "Isto foi oferecido em sacrifício", não coma, tanto por causa da pessoa que o comentou, como da consciência,
isto é, da consciência do outro e não da sua própria. Pois, por que minha liberdade deve ser julgada pela consciência dos outros?
Se participo da refeição com ação de graças, por que sou condenado por algo pelo qual dou graças a Deus?
Assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus.
Não se tornem motivo de tropeço, nem para judeus, nem para gregos, nem para a igreja de Deus.
Também eu procuro agradar a todos de todas as formas. Porque não estou procurando o meu próprio bem, mas o bem de muitos, para que sejam salvos (1 Coríntios 10:23-33).




Elucidação

1. O texto em questão nos fala da polêmica se era lícito ou não aos cristãos genuínos quando convidados por pessoas ímpias para uma refeição comer carnes que eles suspeitavam ser oferecidas aos “deuses”.

2. O DRAMA DOS CORÍNTIOS
Ao tempo do apóstolo Paulo, todos os cidadãos eram obrigados por lei a reverenciar o imperador como um deus; embora lícita, esta reverência não convinha aos cristãos. Em Corinto, o centro da vida eram os templos pagãos. O mais importante deles ficam na parte mais elevada da cidade e era dedicada a Afrodite. Seus mil prostitutos e prostitutas prestavam seus serviços em honra de Vênus, a deusa do amor. Mais que centro de adoração, o templo era o lugar mais interessante da cidade. Ao seu redor, ao ar livre, ficavam os melhores restaurantes. Neles se tocava e se cantava a melhor música, comia-se a melhor comida e se bebia o melhor vinho. Os cristãos, que tinham posses, eram tentados a frequentar esses lugares em busca dos prazeres da vida. Paulo adverte que a participação nesse tipo de vida era lícita, mesmo porque estabelecido na agenda cultural, não convinha aos cristãos, como ele o explica nos versículos 20 e 21, com todas as letras: as coisas sacrificadas nestes templos são sacrificadas aos demônios e um cristão não deve se associar aos demônios. Vocês não podem beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podem ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios.
           Os cristãos podiam até ir a esses centros culturais e sociais, mas sabiam que estavam fora dos padrões divinos para seus filhos. 
           Havia, no entanto, um ponto que gerava dúvida entre os cristãos. A produção e a distribuição dos alimentos, especialmente da carne, seguiam um roteiro comum: iam direto para os templos, onde eram sacrificados aos ídolos ("demônios", como diz o apóstolo) e utilizados para fins litúrgicos, sendo consumidos pela elite religiosa. Depois, o excedente (que era obviamente a maior parte da produção) era encaminhado para venda nos mercados (particularmente os açougues). Só então a população, a cristã inclusive, tinha acesso a esses produtos.

           Paulo instrui os coríntios neste assunto falando da essência da liberdade em Cristo e de como ela deve ser administrada. Com base neste texto, levando em conta textos correlatos queremos refletir um pouco sobre:


VIVENDO A LIBERDADE EM CRISTO EM QUESTÕES POLÊMICAS


I – DEVE HAVER UMA PREOCUPAÇÃO COM O TESTEMUNHO, 24, 25, 27-30, 32.

           1. Renunciando para o bem do outro, v. 24; Gl 5.13.

“Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor” (Gl 5.13).

Tanto o texto de Coríntios quanto o de Gálatas traz a nós o princípio cristão da luta contra o egoísmo. A ideia presente nesses textos é a ação tendo como objetivo mais importante não ofender, escandalizar ou desrespeitar o nosso irmão em Cristo. É comum pensarmos a respeito do nosso testemunho, de como temos nos comportado levando em consideração atrairmos as pessoas a Cristo, pouco ou nada lembramos que a Palavra de Deus também nos adverte quanto à nossa influência ou o resultado de nossas ações quanto aos outros crentes. Infelizmente em nossos dias as pessoas perderam muito a noção da preocupação do resultado de suas ações. Influenciados pelo pensamento da época consideram suas próprias vida apenas, fazem o que “lhe der na telha”, como dizem, e entendem que não tem que limitar sua suposta liberdade meramente porque estariam ofendendo outras pessoas, afinal se elas se escandalizam, que busquem mudar sua mentalidade e amadurecer; “dá licença!”
No entanto quando agimos dessa forma, ou seja, quando a nossa ação de algum modo prejudicará o nosso irmão, pecamos e o nosso pecado não é apenas contra ele. Pecar contra um irmão é o mesmo que pecar contra Cristo 8:12: “E desse modo, pecando contra os irmãos, golpeando-lhes a consciência fraca, é contra Cristo que pecais”.
           Bem sei que a grande maioria dos jovens não estão tão preocupados com questões desse tipo, porém embora seja a fase de experimentar e querer expandir sua liberdade, não pode esquecer que ela deve ser vivida com responsabilidade.

           2. Renunciando para o bem da igreja, v. 32.

O limite de nossas atitudes, o limite de nossa liberdade, encontra sua fronteira em nosso dever sagrado de não sermos egoístas. Aquele que é membro do Corpo de Cristo deve ter uma preocupação maior do que consigo mesmo, deve pensar de modo coletivo, na Igreja do Senhor. Isso evidentemente vai contra a ênfase individualista de nossos dias: “faço o que eu quero, ninguém tem nada a ver com a minha vida, dá licença!”, é o pensamento comum. Mas como deveria eu me sentir se minha postura sobre determinado assunto está de algum modo prejudicando o testemunho da igreja diante da sociedade? O cristão não será visto simplesmente como fulano ou sicrano, você é embaixador de Reino de Cristo (2 Co 5.20), e suas ações pesarão não apenas para você, mas para a igreja como um todo.
           Irmãos, todos os nossos atos devem contribuir para a expansão do Reino de Deus e para cumprir nosso papel social produzindo uma sociedade mais justa. Logo, até mesmo você jovem, deve pensar se a forma como você utiliza sua liberdade tem beneficiado a igreja.
           Mas além de pensar no outro e na igreja de forma geral, você também tem que pensar em si mesmo, não de forma egoísta, mas de modo equilibrado, portanto:


II – DEVE HAVER UMA PREOCUPAÇÃO COM A EDIFICAÇÃO PESSOAL, V. 23.

           1. Renunciando o que é socialmente legal, mas que é errado diante de Cristo.

O sentido aqui de “todas as coisas são lícitas” faz referências aquilo que era legal diante das autoridades civis, ou seja, era lícito legalmente ao cristão comer carne sacrificada a ídolos, porém eles deveriam atentar para o fato que tal atitude os prejudicaria espiritualmente. Afinal, eles não poderiam ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios (v. 21).
           Podemos então fazer uma correlação com o que estamos abordando levando em consideração que embora algo em si mesmo não seja ilegal, imoral, pecaminoso; mas sua prática poderá estar sendo desaconselhável para os cristãos, pois poderá ser que seja algo que não apenas não edifique como também prejudique espiritualmente. Diante de situações e ou decisões a respeito de assuntos dos quais não há uma clara revelação bíblica sobre eles a postura mais sábia a tomar é analisar se a questão em si produzirá para sua vida edificação espiritual caso você venha a praticar. Isso não significa evidentemente que tudo o que não edifica espiritualmente deva ser rejeitado, pois a edificação também pode ser intelectual e há âmbitos da vida que não serão em si mesmo edificantes, pelo menos não em termos espirituais, como esporte, lazer, música de boa qualidade, arte etc, e, contudo, são necessários para vivermos bem psicologicamente.

           2. Renunciando as obras da carne, Gl 5.16-21.

Dentre as obras da carne estão algumas que diante do senso comum são consideradas como normais, e há até um incentivo da mídia para a sua prática. Argumenta-se até que você estará fazendo uso de sua liberdade se escolher praticá-las. No entanto, aquele que tem entendimento espiritual saberá que a verdadeira liberdade não é fazermos o que queremos, mas agirmos de conformidade com a vontade do Senhor. Ademais, a Palavra do Senhor é clara em 2 Pe 2.17-22, falando sobre falsos líderes que enganavam as pessoas oferecendo-lhes uma falsa liberdade, que na verdade é libertinagem, e levavam aquelas pessoas a se tornarem escravas de suas paixões pecaminosas, pois como diz o texto: “prometendo-lhes a liberdade, quando eles mesmos são escravos da corrupção, pois aquele que é vencido fica escravo do vencedor”, v. 21. Logo, haja como Paulo escreveu em Gálatas, ande no Espírito, para que você jamais venha a se escravizar por pecados como impureza sexual, lascívia, idolatria (seja do corpo ou de conceitos), invejas, bebedisses e coisas semelhantes que tirem de você o autocontrole de sua consciência e ações.
           Assim sendo, se afaste daquilo que assume contornos semelhantes às obras listadas por Paulo.


III – DEVE HAVAR UMA PROCUPAÇÃO COM A GLÓRIA DE DEUS, V.V. 26, 31.

           1. Entendendo que não devemos julgar os outros, Rm 14.4-6, 10, 13.

O apóstolo Paulo aqui em Romanos utiliza princípios similares aos que usou ao escrever aos Coríntios. Embora não mencione o comer ou não comer carnes sacrificadas aos ídolos, ele trata do mesmo assunto, refere-se então aos fracos na fé, cristãos judeus que tinham como fraqueza na fé permanecerem de sã consciência ainda comprometidos com as regras judaicas sobre os alimentos e os dias santos. Menciona também os fortes, dentre os quais ele se coloca, que são aqueles cristãos gentios ou judeus helenizados que entendiam que sua liberdade cristã os desobrigava da observância dessas regras. O que mais deve nos chamar a atenção no texto é o incentivo de Paulo para que os dois grupos pudessem se aceitar mutuamente, pois são assuntos não centrais à fé em Cristo. Essa aceitação das diferenças de opinião glorificaria a Deus, pois mais importante do que esse debate que eles tinham era poderem viver em comunhão uns com os outros.
           De igual modo em nossos dias há questões que são controvertidas nas igrejas, umas aceitam outras não, normalmente questões referentes a usos e costumes, questões que em muitos momentos tocam especialmente os jovens e as mulheres. Seguindo os princípios de Rm 14 aqueles que são mais modernos em seus costumes devem compreender e não desprezar os mais conservadores (v. 13 e 15), e aqueles que são mais conservadores não devem julgar como falta de espiritualidade costumes diferentes dos seus (v. 10).

           2. Entendendo que nossa liberdade deve promover o Reino de Deus, Rm 14.17.

O apóstolo então especifica que a essência do Reino de Deus não são essas coisas secundárias, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Desse modo a forma que eles deveriam utilizar sua liberdade deveria ser sempre para promover a paz em seus relacionamentos, sendo jutos uns com os outros e vivendo a alegria que, independentemente de opiniões em questões secundárias, deve ser comum a todos, alegria de pertencermos ao Senhor.
           Assim sendo, um princípio que deve estar sempre em minha mente é: “... quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10.26).


Aplicação

1. Há algumas perguntas práticas sobre as quais gostaria de incentivar vocês à reflexão, não tenciono aqui dar respostas prontas, mas propor questões a serem pensadas. O pastor Israel Belo de Azevedo, pastor da Igreja Batista de Itacuruçá, no Rio de Janeiro, faz as seguintes indagações, que gostaria de aplicar aos crentes em geral:
. Pode um cristão comer acarajé, preparado por senhoras de branco e pretensamente dedicados aos orixás? Uma cristã pode ter uma barraca de produtos da culinária baiana?
. Deve um cristão pagar uma conta numa casa lotérica, onde pode ser confundido com um apostador? Ou o problema é de quem o viu?
. Até que ponto deve ir um cristão em sua resistência à corrupção, já incorporada à cultura de nossa época e vista como normal? Não estaremos sendo rígidos demais nesta matéria?
. Precisa o cristão de afastar dos pagãos, para marcar sua diferença? Existem ambientes inconvenientes para o cristão ou será que tudo depende de sua atitude neles? Mas que apenas convivido com os pagãos, não temos aceito como nossos os seus valores?
. Deve um cristão propor a censura prévia aos meios de comunicação eletrônicos (especialmente a televisão), como forma de preservar valores cristãos e proteger as crianças?
. Deve um cristão aceitar como legítimas todos as decisões legais? Se, por exemplo, o Congresso aprovar uma lei que torne amplamente legal o aborto, teremos que mudar nossa opinião contrária a ele?
 Deve o cristão se abster de alguma prática que considera correta só porque seu amigo (não crente) ou seu irmão em Cristo considera esta pratica como inconveniente?

2. De forma especial para os jovens sei que há algumas questões polêmicas com as quais podem se deparar:
a) A liberdade da privacidade – questões sexuais e pornografia.
b) O “ficar” do jovem.
c) Bebida alcoólica. Em que ocasião e ou quantidade será pecado ingerir bebida alcoólica?
d) Uso de piercing ou tatuagem etc. Pode? Não pode?
e) Há algum mal em ouvir música não cristã?
f) Masturbação é pecado?

           A saída de tais conflitos pode ser basilada pelos princípios que expusemos. Questões mais específicas sugerimos uma conversa franca com o seu pastor.

2. Há muita coisa em nossa cultura brasileira que não são pecaminosas em si mesmas, mas que em dado momento poderá não ser conveniente sua prática.

3. Em caso de dúvida diante de algo polêmico pergunte a si mesmo se tal coisa glorifica a Deus. Porém, não seja demasiado severo com aqueles que têm posição contrária à sua, pois com a medida com que julgardes vos julgarão a vós.


Conclusão

Como temos usado nossa liberdade cristã? TODAS AS COISAS ME SÃO LÍCITAS, MAS…
1) Elas me levarão à liberdade ou à escravidão? “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões” (Rm 6.12).

2) Elas me farão uma pedra de tropeço ou uma pedra de passagem? “E, por isso, se a comida serve de escândalo a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que não venha a escandalizá-lo” (1 Co 8.13).

3) Elas irão me edificar ou destruir (10:23)?

4) Elas irão apenas me agradar ou irão glorificar a Deus (10:31)?

5) Elas irão ajudar a ganhar os perdidos para Cristo ou afastá-los dele (10:33)?

Paulo encerra esta sessão sobre liberdade cristã, dando algumas orientações positivas:
1) Façam tudo para a glória de Deus (10:31) – não para determinar a minha liberdade;
2) Procurem em tudo serem agradáveis a todos (10:33) – sem reclamar os meus direitos;
3) Busquem o interesse de muitos (10:33) – não o meu bem-estar ou a minha satisfação pessoal;
4) Busquem a salvação de muitos (10:33).

           Isto é liberdade cristã: livrar-se de si mesmo para glorificar a Deus, tornando-se semelhante a Cristo.

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1 Comentários

  1. Seu blog e excelente, seus textos também são ótimos, vou tentar me inspirar no seu blog para melhorar o meu, se quiser depois e só da uma olhada o link ta logo a baixo: http://derlandreflexivo.blogspot.com/

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